sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Do exílio

"Éramos impessoais, ocos de nós, outra coisa qualquer. Éramos aquela paisagem esfumada em consciência de si própria. E assim como ela era duas — de realidade que era, e ilusão — assim éramos nós obscuramente dois, nenhum de nós sabendo bem se o outro não era ele-próprio, se o incerto outro vivera. Quando emergimos de repente ante o estagnar dos lagos sentíamo-nos a querer soluçar. Ali aquela paisagem tinha os olhos rasos de água, olhos parados cheios de tédio inúmero de ser. Cheios, sim, do tédio de ser qualquer coisa, realidade ou ilusão — e esse tédio tinha a sua pátria e a sua voz na mudez e no exílio dos lagos... E nós, caminhando sempre e sem o saber ou querer, parecia ainda assim que nos demorávamos à beira daqueles lagos, tanto de nós com eles ficava e morava, simbolizado e absorto. "

[Fernando Pessoa - o eu profundo e outros eus]

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