quinta-feira, 26 de junho de 2014

Heaven knows Im miserable now

"Eu te escrevi uma carta. Eu te escrevi uma carta porque eu acho que a gente podia conversar. Você é um homem-muito-ocupado-do-tipo-que-corre-demais (eu sei), e okay, cartas de amor são ridículas (já nos alertou o poeta), mas sabe como é, eu te escrevi uma carta pra tentar te falar.
E eu diria pessoalmente se você, ao fim do dia, apenas aparecesse. Chegasse assim, sem avisar, na porta do meu prédio (apartamento 403, lembra?) e me pedisse pra descer. Eu desceria as escadas de havaianas e teria há pouco tempo feito as unhas dos pés (de preto, esmalte preto). Por efeito providencial do vento, o meu coque caíria desfeito assim que eu chegasse na portaria e te encontrasse, pra que você então pudesse elogiar os meus cabelos mais uma vez. E porque o mundo gira perfeito, eu estaria vestindo o meu short jeans favorito (será que você ainda repara nas minhas pernas?) e aquela camiseta cinza que diz “Heaven knows I’m miserable now” (ah, o Morrissey nessas horas). E a gente caminharia às onze e meia da noite pela Real Grandeza até que nos sentássemos em uma mesa de madeira bamba na calçada de um boteco xexelento e eu pudesse então te dizer.
Eu pensei em te ligar, não fosse a minha ligação sempre encaminhada para a caixa de mensagens estando sujeita à cobrança após o sinal (ah, as cobranças e os sinais). Por que isso sempre? Por onde você anda? Subsolos? Cofres? Pensei também em te mandar uma mensagem, mas sei como é, você é um homem-muito-ocupado-do-tipo-que-corre-demais e talvez não veja a minha mensagem. Ou talvez a veja e a deixe pra depois – que é quando os homens muito ocupados resolvem as coisas não urgentes. Aliás, eu me pergunto se você faz mesmo o que eu acho que você faz ou se essa sua vida atribulada se deve ao fato de você trabalhar para a NASA, para a CIA ou coisa assim. Toda vez que você desaparece, eu me pergunto se você foi vítima de um ataque cardíaco, de uma abdução alienígena ou se resolveu escalar no Nepal, mas não, foi só o tempo que faltou (outra vez) pra nós dois.
Então eu te escrevi uma carta em 30 minutos, pra te falar uma coisa que resume os últimos 30 meses da minha vida (será o que chamam de crise dos 30?). Eu espero que você a leia e que saiba o que fazer com ela. E comigo. Eu desejo que a gente abra todos os parênteses e coloque também uns pingos nos i´s. É só uma carta, pode ficar sossegado. Mas, se alguma coisa der errado, e ao final da minha (sua) carta, você (mais uma vez) não souber o que fazer, eu só queria te dizer que, de longe, você é a coisa mais bonita que não me aconteceu na vida. Assim, acontecendo. Assim, sem acontecer. Só isso."
[Verônica Fantoni]