sexta-feira, 29 de junho de 2012

Do pouco

"Talvez eu seja um pouco de tudo que já li. Um pouco de tudo que meu olhar já aprendeu do mundo. Um pouco das belas músicas. Um pouco daqueles que me são queridos. Um pouco de múltiplos sentimentos e algumas fraquezas. Talvez eu seja um pouco do que você deixou em mim, mas em essência, o muito da minha essência, é algo delicado e misterioso."


[Rubem Alves]

quinta-feira, 28 de junho de 2012

Dos tamanhos


"Como se mede uma pessoa? 
Os tamanhos variam conforme o grau de envolvimento.
Ela é enorme pra você quando fala do que leu e viveu, quando trata você com carinho e respeito, quando olha nos olhos e sorri destravado. 
É pequena pra você quando só pensa em si mesmo, quando se comporta de uma maneira pouco gentil, quando fracassa justamente no momento em que teria que demonstrar o que há de mais importante entre duas pessoas: a amizade. 
Uma pessoa é gigante pra você quando se interessa pela sua vida, quando busca alternativas para o seu crescimento, quando sonha junto. É pequena quando desvia do assunto. 
Uma pessoa é grande quando perdoa, quando compreende, quando se coloca no lugar do outro, quando age não de acordo com o que esperam dela, mas de acordo com o que espera de si mesma. Uma pessoa é pequena quando se deixa reger por comportamentos clichês. 
Uma mesma pessoa pode aparentar grandeza ou miudeza dentro de um relacionamento, pode crescer ou decrescer num espaço de poucas semanas: será ela que mudou ou será que o amor é traiçoeiro nas suas medições? 
Uma decepção pode diminuir o tamanho de um amor que parecia ser grande. Uma ausência pode aumentar o tamanho de um amor que parecia ser ínfimo. 
É difícil conviver com esta elasticidade: as pessoas se agigantam e se encolhem aos nossos olhos. 
Nosso julgamento é feito não através de centímetros e metros, mas de ações e reações, de expectativas e frustrações. 
Uma pessoa é única ao estender a mão, e ao recolhê-la inesperadamente, se torna mais uma. O egoísmo unifica os insignificantes. 
Não é a altura, nem o peso, nem os músculos que tornam uma pessoa grande. 
É a sua sensibilidade sem tamanho."

[Martha Medeiros]

terça-feira, 26 de junho de 2012

domingo, 24 de junho de 2012

Do falar sobre o Kevin

"(...)Até o dia 11 de abril de 1983, eu me iludia com a idéia de ser uma pessoa excepcional. Mas, desde o nascimento de Kevin, estou convencida de que somos todos provavelmente de uma profunda normalidade. (Na verdade, achar que somos excepcionais é talvez a regra geral.) Temos expectativas muito definidas sobre nós mesmos em determinadas situações - para além de expectativas; são exigências. Algumas são de pouca importaância: se alguém nos fizer uma festa surpresa, ficaremos maravilhados. Outras são consideráveis: se o pai ou a mãe morre, nos sentmos muito mal. Mas, talvez, junto com essas expectativas haja o medo secreto de que acabaremos desapontando as convenções, na hora do vamos ver(...)".

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"(...)Toda vez que eu me forçava a sorrir, era muito claro que ele sabia que eu não estava com vontade de fazer isso, porque nunca me sorriu de volta. Ele ainda não tinha visto muitos sorrisos na vida, mas tinha visto o seu, e era suficiente pra reconhecer que, comparativamente, havia algo errado com o da mamãe. Ele se abria de uma forma falsa; evaporava com uma velocidade reveladora assim que eu me afastava do berço. Será que foi assim que Kevin arranjou o sorriso dele? No presídio, aquele sorriso de marionete, como se puxado por uma cordinha?(...)"

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"(...)A expressão de kevin era tranquila. Ainda exibia uns restos de determinação, mas esta já deslizava para a empáfia arrogante e serena de um trabalho bem feito. Os olhos dele estavam estranhamente desanuviados - imperturbados, quase pachorrentos - e, reconheci a transparência daquela manhã (...) Aquele era o filho estranho, o menino que largara o disfarce vulgar e evasivo do quer dizer e do eu acho e o trocara pelo porte de chumbo e pela lucidez do homem que tem uma missão(...)"



[Shriver, Lionel. Precisamos falar sobre o Kevin - trechos]

sábado, 23 de junho de 2012

Das almas

"Se queres sentir a felicidade de amar, esquece tua alma.
A alma é que estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
Não noutra alma.
Só em Deus - ou fora do mundo.
A almas são incomunicáveis.


Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo. 


Porque os corpos se entendem, mas as almas não. "


[Manuel Bandeira]

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Do arrumar


“Arrumar a vida, pôr prateleiras na vontade e na ação.


Quero fazer isto agora, como sempre quis, com o mesmo resultadoMas que bom ter o propósito claro, firme só na clareza, de fazer qualquer coisa
Vou fazer as malas para o Definitivo,
Organizar Álvaro de Campos,
E amanhã ficar na mesma coisa que antes de ontem — um antes de ontem que é sempre…
Sorrio do conhecimento antecipado da coisa-nenhuma que serei.
Sorrio ao menos; sempre é alguma coisa o sorrir…
Produtos românticos, nós todos…
E se não fôssemos produtos românticos, se calhar não seríamos nada.
Assim se faz a literatura…
Santos Deuses, assim até se faz a vida!
Os outros também são românticos,
Os outros também não realizam nada, e são ricos e pobres,
Os outros também levam a vida a olhar para as malas a arrumar,
Os outros também dormem ao lado dos papéis meio compostos,
Os outros também são eu.
Vendedeira da rua cantando o teu pregão como um hino inconsciente,
Rodinha dentada na relojoaria da economia política,
Mãe, presente ou futura, de mortos no descascar dos Impérios,
A tua voz chega-me como uma chamada a parte nenhuma, como o silêncio da vida…
Olho dos papéis que estou pensando em arrumar para a janela,
Por onde não vi a vendedeira que ouvi por ela,
E o meu sorriso, que ainda não acabara, inclui uma crítica metafisica.
Descri de todos os deuses diante de uma secretária por arrumar,
Fitei de frente todos os destinos pela distração de ouvir apregoando,
E o meu cansaço é um barco velho que apodrece na praia deserta,
E com esta imagem de qualquer outro poeta fecho a secretária e o poema…
Como um deus, não arrumei nem uma coisa nem outra…”

[Álvaro de Campos]

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Das fraturas


"Nunca sabemos quando tudo realmente acaba. O beijo roubado que te fez voltar suspirando para casa ou cantando baixinho no ônibus pode ter sido o último. Aquela noite de amor inesquecível talvez não se repita mais. O abraço do amigo, a viagem para Porto Alegre, a conversa na varanda durante a noite fria, o banho de piscina, o pedaço de bolo de fubá com café quentinho, o passeio com o cachorro. De uma hora para outra, aleatoriamente, perdemos a chance de repetir nossos melhores momentos, e ficam apenas fragmentos, fantasmas guardados nisso que chamamos de memória.
Não dói a ausência. Dói isso que fica. Esse processo penoso que chamamos de luto não é falta, é presença. A chaga, a fratura, o órgão dilacerado, é esse vulto, essa imagem difusa que não nos deixa, a permanência do que não existe mais. O último “eu te amo” dito é um fêmur que se parte em dois e que rasga o músculo. 
O primeiro segurar na mão dela é a clavícula exposta quando tudo termina. O beijo que você relembra a cada fechar de olhos é um maxilar feito em pedaços.

Somos a soma de nossos encontros durante a existência, e alguns deles são feridas que nunca cicatrizam. No fundo, é a felicidade que mutila. Só o que é intenso deixa marcas, só o inesquecível rasga a carne. E não adianta não se colocar no mundo, não adianta fugir do outro, não adianta se esconder. A única alternativa viável para permanecer intacto é não viver.
Sendo assim, jogue-se. Quebre-se. Frature-se. E tenha orgulho de cada uma dessas marcas."

[Marcos Donizetti]

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Da razão

"(...)A vida, pensava eu, sempre acaba tendo razão, e se a vida se ria dos meus belos sonhos, pensava, era porque meus sonhos tinham sido estúpidos e irracionais. Mas isso não me valeu de nada. Mas como tivesse bons olhos e ouvidos, e além disso, fosse curiosa, examinei a vida com certa atenção, observei meus vizinhos e conhecidos, mais de ciquenta pessoas e destinos, e percebi então Harry, que meus sonhos estavam certos, estavam mil vezes certos, assim como os seus. Mas a vida, a realidade, não tinha razão.(...)"


[Hesse, Hermann. O lobo da estepe]

quinta-feira, 14 de junho de 2012

domingo, 10 de junho de 2012

Do irremediável

"Então não pertencia a mundo nenhum? E alguém pertence a algum?
Algumas pessoas são assim; em certos momentos têm a ilusão de fazer parte de um grupo, seja ele político, intelectual, boêmio, de meditação, ou a qualquer outro, mas nunca conseguem. Elas sabem que somos todos fundamentalmente sós, embora procuremos durante todo o espaço de uma vida negar essa realidade, que nem chega a ser triste, é apenas a realidade. Quanto esforço elas fazem -fizeram- para se encaixar em algum desses universos sem nunca conseguir; e será que alguém consegue? De verdade?
As pessoas às vezes se sentem irremediavelmente sós; mas basta um dia encontrar um novo amigo, um novo amor, para o mundo ficar mais bonito e a vida voltar a valer a pena.
É isso que se procura e às vezes encontra; e quando acontece, é bom demais."


[Danuza Leão]

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Dos personagens



"Não soube nunca o que sentia. Quando me falavam de tal ou tal emoção e a descreviam, sempre senti que descreviam qualquer coisa da minha alma, mas, depois, pensando, duvidei sempre. O que me sinto ser, nunca sei se o sou realmente, ou se julgo que o sou apenas. Sou bocados de personagens de dramas meus."

[Fernando Pessoa, in Maneira de Bem Sonhar nos Metafísicos]