sábado, 29 de março de 2014

Do segredo

"Não há verso,
Tudo é prosa,
passos de luz
num espelho,
verso,
ilusão de ótica, 
verde, 
o sinal vermelho. 

Coisa 
feita de brisa,
de mágoa 
e de calmaria,
dentro 
de um tal poema,
qual poesia 
pousaria?
Eu, hoje, acordei mais cedo e, 
azul, tive uma idéia clara.
Só existe um segredo:
Tudo está na cara."

[Paulo Leminski]

Do negro

"Que somos nós? Navios que passam um pelo outro na noite
Cada um a vida das linhas das vigias iluminadas
E cada um sabendo do outro só que há vida lá dentro e mais nada
Navios que se afastam ponteados de luz na treva
Cada um diminuindo para cada lado do negro
Tudo mais é a noite calada e o frio que sobe do mar."

[Fernando Pessoa - Álvaro de Campos]

Do fim

Após anos a fio, pra não falar em décadas de visitas semanais, tive enfim alta da terapia essa semana. A conclusão que cheguei, dinamismo da vida à parte, não estou mais ou menos perdida do que estive no primeiro dia em que pisei naquele consultório. Não estou mais nem menos resolvida.
Apenas me conheço bem o suficiente a ponto de saber o que eu quero, o que eu consigo, o que eu to a fim de enfrentar, até onde vou, o que me mata de preguiça, o que não tenho forças mais, o que me move, o que vale a pena... Maturidade? Sei lá. Acho que entendimento. Consciência.

sexta-feira, 28 de março de 2014

Do que quero dizer não digo

Do ser

"Dizem que em cada coisa uma coisa oculta mora.
Sim, é ela própria, a coisa sem ser oculta,
Que mora nela.

Mas eu, com consciência e sensações e pensamento,
Serei como uma coisa?
Que há a mais ou a menos em mim?
Seria bom e feliz se eu fosse só o meu corpo -
Mas sou também outra coisa, mais ou menos que só isso.
Que coisa a mais ou a menos é que eu sou? 

O vento sopra sem saber.
A planta vive sem saber.
Eu também vivo sem saber, mas sei que vivo.
Mas saberei que vivo, ou só saberei que o sei?
Nasço, vivo, morro por um destino em que não mando,
Sinto, penso, movo-me por uma força exterior a mim.
Então quem sou eu?

Sou, corpo e alma, o exterior de um interior qualquer?
Ou a minha alma é a consciência que a força universal
Tem do meu corpo por dentro, ser diferente dos outros?
No meio de tudo onde estou eu?

Morto o meu corpo,
Desfeito o meu cérebro,
Em coisa abstracta, impessoal, sem forma,
Já não sente o eu que eu tenho,
Já não pensa com o meu cérebro os pensamentos que eu sinto meus,
Já não move pela minha vontade as minhas mãos que eu movo.

Cessarei assim? Não sei.
Se tiver de cessar assim, ter pena de assim cessar,
Não me tomará imortal."

[Fernando Pessoa - Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos"]

quarta-feira, 26 de março de 2014

Do desaparecer

"Before i disapear
Whisper in my ear
Give me something to echo
In my unknown futures ear"

[Eddie Vedder]

sábado, 22 de março de 2014

Do abotoar

"Vai-se a primeira pomba despertada…
Vai-se outra mais… mais outra… enfim dezenas
De pombas vão-se dos pombais, apenas
Raia sanguínea e fresca a madrugada.

E à tarde, quando a rígida nortada
Sopra, aos pombais de novo elas, serenas,
Ruflando as asas, sacudindo as penas,
Voltam todas em bando e em revoada.

Também dos corações onde abotoam,
Os sonhos, um por um, céleres voam,
Como voam as pombas dos pombais;

No azul da adolescência as asas soltam,
Fogem… Mas aos pombais as pombas voltam,
E eles aos corações não voltam mais."


[Raimundo Correia]

quinta-feira, 20 de março de 2014

Da janela

"...Talvez eu seja a única responsável por essa história toda, mas ainda acho triste um mundo em que as pessoas, por pudor, reprimem o que são. Porque, em nossa sociedade, não nos é dado o direito de sermos menos do que perfeitos. Se não sou a Clarice Lispector, é melhor que eu nem escreva! Devemos ser ótimos sempre, bem sucedidos em todos os aspectos, irretocáveis – e até beleza e juventude parece que viraram obrigação. É proibido envelhecer, veja só! Nós, tão vulneravelmente humanos, estamos condenados a sermos super-homens e mulheres-maravilhas.
Por isso vejo como sinal de amadurecimento minha ousadia tímida de escancarar janelas. De dar a cara à tapa. Porque, definitivamente, não sou Clarice, não sou Rosa, não sou Machado. Mas isso não significa que eu não tenha coisas a dizer e que não deva dizê-las, por vaidade ou medo de rejeição.
Cada vez mais, aprendo o quanto é importante que tenhamos nossas janelas abertas para a vida, porque ela nos presenteia, sim, se estivermos atentos e formos flexíveis o bastante para deixá-la entrar pelos batentes. Na minha história, nada do que planejei deu tão certo quanto as coisas imprevistas que a vida me trouxe e eu soube receber de coração.
E é assim, com o coração aberto, que me atrevo a dar-lhes as melhores palavras que eu tiver. Que milagroso será se elas puderem ser recebidas por outros corações abertos.
Então convido vocês a fazerem também aquilo que de gostam porém se envergonham, por talvez não serem suficientemente bons. Escrevam, dancem ou cantem, se desejarem isso. Porque aceitar-se imperfeito e ser capaz de admitir os próprios desejos é aquilo que, em primeiro lugar, nos torna seres livres."
[Daniela Antoniassi]

Do abismo 1

"É curioso isso de transformar nossas vidas e, assim, transformar a nós mesmos. Mesmo que queiramos, e muito, geralmente temos medo.
Então vamos dando passinhos miúdos e cuidadosos, como quem desce uma escada perigosa na escuridão absoluta: vamos agarrados a um corrimão, se houver, ou tateando paredes, ou até mesmo descemos sentados, pra poder sentir melhor os degraus que não vemos ou o abismo que não sabemos o que é.
Inventamos corrimãos, inventamos rotas de regresso, para nos sentirmos seguros, para aliviar-nos o medo do novo com a ficção de que sempre podemos voltar atrás se, por acaso, o abismo não nos agradar.
Mas todos esses artifícios de segurança não passam de mentiras que contamos a nós mesmos. A verdade é que do abismo não se pode voltar. A verdade é quase nunca há regresso. Descer um poço é fácil, remota é a possibilidade de saltar de volta à superfície. A tal da entropia que está em tudo.
Acontece que o abismo pode ser bom, e que o fundo do poço quase nunca é o fim, se nele pudermos encontrar misteriosas passagens para outras superfícies, outros mundos.
Talvez o medo seja mesmo inevitável, e inevitável também seja esse nosso titubear. Mas é interessante percebermos como o medo vai se dissipando a medida que seguimos adiante, a medida que a paisagem muda, e que já não somos mais os mesmos.
Constatar que não há regresso não parecerá terrível quando sentirmos que, ainda que pudéssemos voltar atrás, já não o faríamos.
Seja qual for o abismo descoberto."
[Daniela antoniassi]

quarta-feira, 19 de março de 2014

Dali

Eu sonho. Você vive.
Eu sinto. Você sabe.
Eu sei. Você finge.
Eu tento. Você desiste.
Eu quero. Você quis.

Eu insisto.

Eu falo. Você nega.
Eu penso. Você pinta.
Eu escrevo. Você pensa.
Eu fujo. Você fica.
Eu calo. Você, calo.

Eu insisto.

Eu escolho. Você não mais.
Eu sumo. Você muda.
Eu volto. Você some.
Eu vou. Você povoa.
Eu, só. Você junto, sempre.

Eu desisto.


sábado, 15 de março de 2014

segunda-feira, 10 de março de 2014

Adeus você



...pra que minha vida siga adiante.

domingo, 9 de março de 2014

Das nossas escolhas

"Não acredito em almas gêmeas, em feitos um para o outro, em metades da laranja. Penso que, nesse mundão de sete bilhões, o par ideal pode ser não uma, mas uma série de pessoas compatíveis com cada um de nós.
É claro que, durante nossa curta existência, não vamos sequer cruzar com todos aqueles que poderiam ser o grande amor de nossas vidas. E são bem práticos muitos dos fatores que reduzem ao extremo nosso leque de potenciais amados-amantes.
A questão geográfico-logística é quiçá a que mais acarreta impossibilidade de encontro de pares românticos. Imagine quantos casais ideais jamais poderão existir pelo simples fato de um e outro terem nascido em extremos diferentes do globo. Incontáveis histórias de amor não chegarão a acontecer e nunca poderão ser contadas.
Ainda quando a distância geográfica não for tão grande, outros problemas, até de cunho político, podem atrapalhar o encontro de dois pombinhos. Acontecerá, por exemplo, se ele nascer na Coréia do Norte e ela, na Coréia do Sul.
Mesmo que globalização e tecnologia deem uma mãozinha, impulsionando circulação e contato de pessoas, imagine quantos romances, unindo viajantes mundo afora, não terminarão por conta dos preços das passagens aéreas, das ligações telefônicas, ou da chatice que é namorar por Skype. 
Uma infinidade de elementos jogam contra o encontro e o reconhecimento de um par amoroso: diferença de classe social, diferença cultural, formato desagregador das cidades, imposiçãoo de padrões estéticos, e por vai. Tudo isso sem falar no Deus Acaso, que é quem deve permitir a intersecção entre dois caminhos. Mas, além de compatibilidade e possibilidade de encontro, há um outro ingrediente nessa receita incerta de amor que, para mim, é o mais complexo e improvável de todos. O tal do, quase intraduzível, timing. O tal do, caprichoso, momento certo.
O encontro entre duas pessoas, para frutificar uma relação, precisa se dar no exato momento em que ambas estão prontas e dispostas a mergulhar no abismo uma da outra. 
Há de existir essa rara sincronia, coincidência entre o tempo certo de um e o tempo certo de outro. Tão rara que chega a parecer mágica. Tão mágica que faz o Deus Acaso perder muitos partidários-devotos para o Deus Destino.
Só no momento certo para cada um e para ambos é que a comunicação entre dois seres se faz efetiva. 
Só no momento certo pode se produzir um diálogo eficiente em lugar de dois monólogos surdos. 
Momento certo é aquele em que há chance de que duas pessoas se entendam, porque existe, em primeiro lugar, disposição de cada uma delas de buscar o entendimento.
O momento de entender é também o momento de querer e de poder entender. Tem a ver com aquilo a que chamam maturidade. E maturidade, a propósito, não está necessariamente relacionada à passagem do tempo ou ao acúmulo de experiências. Chega antes para alguns, depois para outros, ou pode até nunca chegar.
Aqui pra mim, maturidade talvez signifique capacidade de escolher. Escolher amar alguém. Escolher deixa-se amar por alguém. Escolher querer que uma relação funcione. Escolher doar-se a uma relação, para que ela funcione.
Escolher amar alguém é escolher dedicar-se a alguém, mesmo que sejam tantos os pares potencialmente compatíveis, mesmo que sejam infinitas as possibilidades que precedem cada uma de nossas escolhas. É aceitar o outro a despeito das suas imperfeições; é olhar com ternura pra tudo aquilo que o outro tem de mais humano.
Sabemos que o momento certo chega pra nós quando nos reconhecemos capazes de amar sem idealizar, sem esperar do outro que responda a todas as nossas carências, que preencha todos os nossos vazios. 
No momento certo, somos capazes de amar as fraquezas, mais de que as virtudes. Amar o ordinário ou o feio, mais do que o exclusivo ou o belo.
Quando olhamos pra trás, damo-nos conta de que boa parte das nossas histórias de amor fracassadas poderiam ter sido diferentes, se na época estivéssemos prontos. Às vezes, relações não dão certo por falta de capacidade de compreender ao outro e a si próprio. Outras vezes, é um coração machucado ou confuso que faz daquela uma má hora para amar. Não acredito em almas gêmeas, em amor perfeito, em o-que-tiver-que-ser-será. 
Mas acredito em momento certo: o momento em que escolhemos e somos escolhidos.
Não escolhemos alguém porque seja o único, mas é verdade que alguém se torna único por ter sido o objeto de nossa escolha. E aí sim, a história de amor que aconteça será única, diferente de qualquer outra que já existiu em qualquer outro tempo e lugar. Será a única história possível entre tantas histórias possíveis."
[Daniela Antoniassi]