sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Da prateleira

"Podia ser só amizade, paixão, carinho, admiração, respeito, ternura, tesão.

Com tantos sentimentos arrumados cuidadosamente na prateleira de cima, tinha de ser justo amor, meu Deus?"

[Caio Fernando Abreu]

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Da exaustão



"Sinto a exaustão dos pensamentos em vão
Tentando imaginar você aqui
Trazê-lo para perto de mim
Me perco na frustração de uma distancia
Escrevo na tentativa de acreditar
Que os meus olhos que agora escrevem
Irão encontrar os teus que estarão lendo
E, quem sabe assim, em um fortuito segundo
Sentir um lampejo da sensação de estar ao teu lado"
 

[thiago almeida]

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Neste período, que vai de 29/08 (hoje) às 22h52 a 01/09 às 1h03, a passagem da Lua pelo setor das finanças forma oposição ao Sol no setor das crises pessoais. A oposição tem uma natureza de conflito, mas também de complementação: o que é realmente importante para você, e que deve ser preservado, versus aquilo que não lhe serve mais, ao qual você tem um tolo apego emocional, mas que está na hora de se livrar. O Sol na Casa 8 ilumina e esclarece a respeito do que não lhe serve mais e que precisa ser descartado sem piedade. A Lua na Casa 2 sugere a dor do apego ao que não tem mais funcionalidade em sua vida. É uma fase crítica, mas também libertadora, natural das luas cheias. Admire a Lua Cheia nestas noites, e compreenda que ela lhe concede o dom da renovação

Meu horóscopo

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Rapaz, vamos acordar pra vida?

Foco é o menor dos meus problemas quando você é o maior deles.

Tenho dito.

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Da renúncia

"A renúncia é libertação.
Não querer é poder."

[Fernando Pessoa]

Da cegueira

"Você roda e vive preso à rotina.
Acorda, se arruma, trabalha e sai de lá com o céu escuro, pensando na vida.
Não está nada boa.
Você imagina o que faria.
Pega o carro e com ele, as piores dúvidas.
Você lamenta a idade, a falta de empreendedorismo e o corte de cabelo a caminho de casa.
Encontra a geladeira cheia com o coração vazio.
Tem muitos algo de errado.
Grita para dentro do peito que a sua vida não deveria ser essa.
Quer mudar os planos e faz promessas para a manhã seguinte.
Mas a cegueira é cíclica.
E nessa roda, você não põe o rosto para fora com medo do vento forte nos olhos.
E fica sem saber o que o vento traria."

[Lorena Goretti - adaptado]

domingo, 26 de agosto de 2012

Do possível

Esquecer não é possível.

É possível seguir em frente, viver em frente, outras coisas, outras pessoas, apesar de.

Outra possibilidade é sair da vidinha cômoda e se mover minimamente em busca do que poderia hipotéticamente trazer mais satisfação. Ir além.
Arriscar sair do conhecido, fácil e confortável e ir atrás do menos conhecido, levemente mais complicado e por essa razão, mais arriscado.

Eu acho que a vida só vale a pena se corrermos esses pequenos riscos.
Mas agora não depende do que eu acho.

Depende do que vc acha.


sábado, 25 de agosto de 2012

Do mover

"porque você não pode voltar atrás no que vê.
você pode se recusar a ver, o tempo que quiser: até o fim de sua maldita vida, você pode recusar, sem necessidade de rever seus mitos ou movimentar-se de seu lugarzinho confortável.
mas a partir do momento em que você vê, mesmo involuntariamente, você está perdido:
as coisas não voltarão a ser mais as mesmas e você próprio já não será o mesmo."

[caio fernando abreu]

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Da vã pergunta

"Esta jovem pensativa, de olhos cor de mel e de longas pestanas penumbrosas 
Que está sentada junto àquele jovem triste de largos ombros e rosto magro 
É ela a amada dele e é ele o amado dela e é a vida a sombra trágica dos seus gestos? 
Este trem veloz cheio de homens indiferentes e mulheres cansadas e crianças dormindo 
Que atravessa esta paisagem desolada de árvores esparsas em montes descarnados 
É ela o movimento e é ele a fuga e são eles o destino fugitivo das coisas? 
Que dizem os lábios murmurantes dele aos olhos desesperados dela? 
Que pronunciam os lábios desesperados dela aos olhos lacrimejantes dele? 
Que pedem os olhos lacrimejantes dele à paisagem fugindo? 
Não são eles apenas uma só mocidade para o tempo e um só tempo para a eternidade? 
Não são seus sonhos um só impulso para o amor e os seus suspiros um só anseio para a pureza? 
Por que este transtorno de faces e esta consumição de olhares como para nunca mais? 
Não é um casto beijo isso que bóia aos lábios dele como um excedimento da sua alma? 
Não é uma carícia isso que treme nas mãos dela como um arroubo da sua inocência ? 
Por que os sinos plangendo do fundo das consolações como as vozes de aviso dos faróis perdidos? 
É bem o amor essa insatisfação das esperanças?"


[vinicius de moraes]

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Mais simples ainda

Não alimente esperanças se você claramente não tem a menor intenção de torná-las realidade.
Não faça isso.
Não me faça isso.

Sinceramente, o que você quer de mim?

domingo, 19 de agosto de 2012

Do breu

Ô rapaz, vê:
Se eu olho pra trás é porque não consigo ver nada à frente.

Lá, o ontem dá uma proporção diferente aos fatos.

Aqui no presente, o hoje me parece tão perfeitamente adequado pra você.
E tão escuro, solitário e sombrio pra mim.

E é você que está lá.

E é você que eu queria ter aqui.
Junto.

Mas você não quer assim. 

E isso não posso mudar. 
E sem saída, vou caminhando sempre em frente, por essas paisagens acinzentadas, levando comigo minhas memórias que eu pinto com lápis de cor. 

À espera do meu sol. 
Já que você já encontrou o seu. 

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

quinta-feira, 16 de agosto de 2012


Mas arrependimento não faz o tempo voltar. 
E nem a lua brilhar no céu, nem o rio correr pro mar. 

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Do meu problema


Nada de amor heroico, bonito e comovente. 
Nada de rendas brancas, vestidos de noiva, taças cruzadas.
Deixo as filosofias otimistas para quem ainda acredita nelas, como eu já acreditei um dia. 

Eu quero ser a tua insegurança, o teu objeto de desejo que te faz achar que você só tem defeitos - e que certamente não me merece. Eu quero ser o amor intruso, entrão, inconveniente; invadir o teu pensamento quando um amor menos complicado teimar em se aproximar. Eu quero ser quem te faz procurar terapias; quero ser relatado a um psicólogo. Eu quero ser o teu problema. 
Eu quero ser quem te faz sair dos lugares comuns, abandonar jantares importantes e festas com seus melhores amigos. Eu quero ser a sua ligação às três da madrugada e te confundir inteiro quando você achar que já não quer tanto assim. Também quero ser o telefone que não toca no dia seguinte. E me confundir inteira quando eu achar que você já não quer tanto assim.
Eu quero ser tuas unhas roídas e tua síndrome das pernas inquietas. Eu quero ser a resposta monossilábica para tua declaração. Eu quero ser a sua resposta fugaz pra minha declaração. Eu quero marcar um encontro, uma conversa, um café e, se de última hora, desmarcar - e houver uma eventual nova possibilidade de encontro, ver você me esperar outra vez. Eu quero ser o teu problema. 

Nada de fotos, flores, músicas de nós dois. Sem romantismo. Sem otimismo. 
Eu quero ser o teu eterno caso, a lembrança que você lamenta. Eu quero deixar explícito o meu descaso e te ver, ainda assim, se importando comigo. Quero me importar com você, apesar de explícito o seu descaso comigo. Eu quero ser as cartas que você não consegue enviar; a mentira que você não se cansa de acreditar; a saudade que emudece. Eu quero ser o teu problema. 
Quero que você seja os meus textos escritos de madrugada, a minha tentativa desesperada de não enlouquecer. Quero ser a tua insônia, a tua insanidade. Teu susto, teu único assunto. Eu Julieta, você Romeu que não morreu. Eu quero rir da sua hipótese de um futuro nosso, e ver você me odiar por um minuto e voltar a me amar com toda sua raiva logo depois. Eu quero ser as perguntas que você evita se fazer. Eu quero que você seja as respostas que não consegue me dar. 
Quero ser o seu medo de não aguentar.
Eu quero ser o teu problema, rapaz. 
Não por capricho. Não por um motivo pífio.
Eu quero ser o teu problema desde que você se tornou o meu.

[Adaptado de texto de Vitória de Melo]

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Dos minutos

"For a minute there, I lost myself."

Por um minuto tudo pareceu como deveria ou gostaria ou qualquer verbo seguido do sufixo ía.

Sensações remetendo à geografias interiores.

Ex-satélites. Inexistentes.

Come on home


domingo, 12 de agosto de 2012

Do verbo

"Eu me esqueci no armário.
Pensei estar vivendo,
estudando, trabalhando, sendo!
Pensei ter amado e odiado,
aprendido e ensinado,
fugido e lutado,
confundido e explicado.
Mas hoje, surpreso,
me vi no armário embutido
calado, sozinho, perdido, parado."

[Mário Quintana]

sábado, 11 de agosto de 2012

Do semi

"Não deixe portas entreabertas.
Escancare-as ou bata-as de vez.
Pelos vão, brechas e fendas
passam apenas semiventos
meias verdades e muita insensatez."

[Cecília Meireles]

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Da astrologia

Neste período, que vai de 09/08 (hoje) às 20h46 a 12/08 às 13h34, a passagem do Sol pelo setor das crises pessoais pode significar um transbordamento de emoções e problemas que você tem tentado evitar nos últimos tempos. O Sol em trânsito pela Casa 8 entra em conflito com a Lua, sugerindo que você até deseja levar as coisas numa boa, com mais relaxamento e tranqüilidade, mas há problemas e pendências a resolver que não podem ser evitadas! O Sol neste momento pede que você não faça de conta que não existem coisas que lhe incomodam e que dê atenção a estes pontos, que jogue luz sobre eles. A Lua na Casa 5 lhe ajuda a ver as coisas com maior bom humor. A reflexão para o período é: do que eu preciso me libertar?


Do escrever

"Escrevo, triste, no meu quarto quieto, sozinho como sempre tenho sido, sozinho como sempre serei. E penso se a minha voz, aparentemente tão pouca coisa, não encarna a substância de milhares de vozes, a fome de dizerem-se de milhares de vidas, a paciência de milhões de almas submissas como a minha ao destino quotidiano, ao sonho inútil, à esperança sem vestígios. Nestes momentos meu coração pulsa mais alto por minha consciência dele. Vivo mais porque vivo maior."

[Fernando Pessoa in "O livro do desassossego"]

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Da gula do amor

"O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato. O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço. O amor comeu meus cartões de visita. O amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome.
O amor comeu minhas roupas, meus lenços, minhas camisas. O amor comeu metros e metros de gravatas. O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos, o tamanho de meus chapéus. O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos.
O amor comeu meus remédios, minhas receitas médicas, minhas dietas. Comeu minhas aspirinas, minhas ondas-curtas, meus raios-X. Comeu meus testes mentais, meus exames de urina.
O amor comeu na estante todos os meus livros de poesia. Comeu em meus livros de prosa as citações em verso. Comeu no dicionário as palavras que poderiam se juntar em versos.
Faminto, o amor devorou os utensílios de meu uso: pente, navalha, escovas, tesouras de unhas, canivete. Faminto ainda, o amor devorou o uso de meus utensílios: meus banhos frios, a ópera cantada no banheiro, o aquecedor de água de fogo morto mas que parecia uma usina.
O amor comeu as frutas postas sobre a mesa. Bebeu a água dos copos e das quartinhas. Comeu o pão de propósito escondido. Bebeu as lágrimas dos olhos que, ninguém o sabia, estavam cheios de água.
O amor voltou para comer os papéis onde irrefletidamente eu tornara a escrever meu nome.
O amor roeu minha infância, de dedos sujos de tinta, cabelo caindo nos olhos, botinas nunca engraxadas. O amor roeu o menino esquivo, sempre nos cantos, e que riscava os livros, mordia o lápis, andava na rua chutando pedras. Roeu as conversas, junto à bomba de gasolina do largo, com os primos que tudo sabiam sobre passarinhos, sobre uma mulher, sobre marcas de automóvel.
O amor comeu meu Estado e minha cidade. Drenou a água morta dos mangues, aboliu a maré. Comeu os mangues crespos e de folhas duras, comeu o verde ácido das plantas de cana cobrindo os morros regulares, cortados pelas barreiras vermelhas, pelo trenzinho preto, pelas chaminés.  Comeu o cheiro de cana cortada e o cheiro de maresia. Comeu até essas coisas de que eu desesperava por não saber falar delas em verso.
O amor comeu até os dias ainda não anunciados nas folhinhas. Comeu os minutos de adiantamento de meu relógio, os anos que as linhas de minha mão asseguravam. Comeu o futuro grande atleta, o futuro grande poeta. Comeu as futuras viagens em volta da terra, as futuras estantes em volta da sala.
O amor comeu minha paz e minha guerra. Meu dia e minha noite. Meu inverno e meu verão. Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte."

[João Cabral de Mello Neto]

Da parede e da árvore

"Para entender nós temos dois caminhos: o da sensibilidade que é o entendimento do corpo; e o da inteligência que é o entendimento do espírito. Eu escrevo com o corpo. Poesia não é para compreender, mas para incorporar. Entender é parede; procure ser árvore."

[Manoel de Barros]
 

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Do dito pelo não dito - o saber

Eu não sei de nada.
Mas eu sinto um monte de coisas.
Eu prevejo algumas.
E isso eu senti, e previ.
Mesmo sem saber.

.
Sou meia pessoa hoje, de tanto cansaço.
Depois continuo a divagar sobre esse tema.

domingo, 5 de agosto de 2012

Da borda

"Que comece agora. E que seja permanente essa vontade de ir além daquilo que me espera. E que eu espero também. Uma vontade de ser. Àquela, que nasceu comigo e que me arrasta até a borda pra ver as flores que deixei de rastro pelo caminho. Que me dê cadência das atitudes na hora de agir. Que eu saiba puxar lá do fundo do baú, o jeito de sorrir pros nãos da vida. Que as perdas sejam medidas em milímetros e que todo ganho não possa ser medido por fita métrica nem contado em reais. Que as relações criadas sejam honestamente mantidas e seladas com abraços longos. Que eu possa também abrir espaço pra cultivar a todo instante as sementes do bem e da felicidade de quem não importa quem seja ou do mal que tenha feito para mim. Que a vida me ensine a amar cada vez mais, de um jeito mais leve. Que o respeito comigo mesma seja sempre obedecido com a paz de quem está se encontrando e se conhecendo com um coração maior. Um encontro com a vontade de paz e o desejo de viver."
 
[Caio Fernando de Abreu]

sábado, 4 de agosto de 2012

Do enxergar


"Eu nunca vou ser perfeita. E sei disso. Mas quer saber? 
Estou tranquila. Só quero estar em paz comigo mesma. 
Só quero estar em paz com minhas imperfeições, pois elas também têm seu charme. 
E seduzem. Mas a primeira pessoa que você tem que seduzir é você mesma. 
Por isso é tão importante a gente se respeitar e saber exatamente o que quer. E o que não quer.
O que espera do outro. O que espera da gente mesmo. Qual o nosso limite. O que a gente aceita e o que não tolera de forma alguma. E saber que ninguém tem tudo. 
Mas se a gente quer mesmo uma coisa, precisa arregaçar as mangas e batalhar por ela. 
Sem fechar os olhos para as belezas da vida. Porque tem muita coisa bonita por aí. 
É só saber enxergar."

[Clarissa Corrêa]

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Do relativismo do sentir


"Eu achava que amor era algo construído com o tempo. Maduro. Que o amor podia ser aprendido, ensinado. Que o amor crescia com cada dificuldade. Com cada defeito descoberto ou revelado. Com cada fraqueza assumida. Achava que o amor era o que vinha depois da paixão. Aliás, me disseram “a paixão dura 8 meses. Se sobreviver, então é amor”.
Pode ser que seja assim, também. Mas resolvi jogar tudo isso no lixo e descobrir sozinha o que é amor pra mim. E, então, aprendi que a paixão pode durar 8 minutos e virar amor. Amor pode ser vivido em um dia, em uma noite. Amor pode durar 24 horas, uma semana, um mês, um ano e uma vida. É isso. Agora eu entendi. Entendi o que era aquilo que senti algumas vezes, no mesmo tempo do que deveria ser paixão, mas diferente. Acho que senti amor por pessoas por algumas horas, mas não me venha dizer que não era amor. Era sim."

[Bruna Castro]
Ogni realtà é un inganno.

[Luigi Pirandello in Uno, Nessuno e Centomila]

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Dos eus

"Eu, que sou mais irmão de uma árvore que de um operário,
Eu, que sinto mais a dor suposta do mar ao bater na praia
Que a dor real das crianças em quem batem
(Ah, como isto deve ser falso, pobres crianças em quem batem —
E por que é que as minhas sensações se revezam tão depressa?)
Eu, enfim, que sou um diálogo continuo,
Um falar-alto incompreensível, alta-noite na torre,
Quando os sinos oscilam vagamente sem que mão lhes toque
E faz pena saber que há vida que viver amanhã.
Eu, enfim, literalmente eu,
E eu metaforicamente também,
Eu, o poeta sensacionista, enviado do Acaso
As leis irrepreensíveis da Vida,
Eu, o fumador de cigarros por profissão adequada,
O indivíduo que fuma ópio, que toma absinto, mas que, enfim,
Prefere pensar em fumar ópio a fumá-lo
E acha mais seu olhar para o absinto a beber que bebê-lo...
Eu, este degenerado superior sem arquivos na alma,
Sem personalidade com valor declarado,
Eu, o investigador solene das coisas fúteis,
Que era capaz de ir viver na Sibéria só por embirrar com isso,
E que acho que não faz mal não ligar importâricia à pátria
Porqtie não tenho raiz, como uma árvore, e portanto não tenho raiz
Eu, que tantas vezes me sinto tão real como uma metáfora


Como uma frase escrita por um doente no livro da rapariga que encontrou no terraço,
Ou uma partida de xadrez no convés dum transatlântico,
Eu, a ama que empurra os perambulators em todos os jardins públicos,
Eu, o policia que a olha, parado para trás na álea,
Eu, a criança no carro, que acena à sua inconsciência lúcida com um coral com guizos.
Eu, a paisagem por detrás disto tudo, a paz citadina
Coada através das árvores do jardim público,
Eu, o que os espera a todos em casa,
Eu, o que eles encontram na rua,
Eu, o que eles não sabem de si próprios,
Eu, aquela coisa em que estás pensando e te marca esse sorriso,
Eu, o contraditório, o fictício, o aranzel, a espuma,
O cartaz posto agora, as ancas da francesa, o olhar do padre,
O largo onde se encontram as suas ruas e os chauffeurs dormem contra os carros,
A cicatriz do sargento mal encarado,
O sebo na gola do explicador doente que volta para casa,
A chávena que era por onde o pequenito que morreu bebia sempre,
E tem uma falha na asa (e tudo isto cabe num coração de mãe e enche-o)...
Eu, o ditado de francês da pequenita que mexe nas ligas,
Eu, os pés que se tocam por baixo do bridge sob o lustre,
Eu, a carta escondida, o calor do lenço, a sacada com a janela entreaberta,
O portão de serviço onde a criada fala com os desejos do primo,
O sacana do José que prometeu vir e não veio
E a gente tinha uma partida para lhe fazer...
Eu, tudo isto, e além disto o resto do mundo...
Tanta coisa, as portas que se abrem, e a razão por que elas se abrem,
E as coisas que já fizeram as mãos que abrem as portas...
Eu, a infelicidade-nata de todas as expressões,
A impossibilidade de exprimir todos os sentimentos,
Sem que haja uma lápida no cemitério para o irmão de tudo isto,
E o que parece não querer dizer nada sempre quer dizer qualquer cousa..."

[Fernando Pessoa/Álvaro de Campos - trecho de Passagem das Horas]

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Do enfrentar de agosto


" Para atravessar agosto é preciso antes de mais nada paciência e fé. Paciência para cruzar os dias sem se deixar esmagar por eles, mesmo que nada aconteça de mau; fé para estar seguro, o tempo todo, que chegará setembro – e também certa não-fé, para não ligar a mínima às negras lendas deste mês de cachorro louco. É preciso quem sabe ficar-se distraído, inconsciente de que é agosto, e só lembrar disso
no momento de, por exemplo, assinar um cheque e precisar da data. Então dizer mentalmente ah!, escrever tanto de tanto de mil novecentos e tanto e ir em frente. 
Este é um ponto importante: ir, sobretudo, em frente.
Para atravessar agosto também é necessário reaprender a dormir, dormir muito, com gosto, sem comprimidos, de preferência também sem sonhos. 
São incontroláveis os sonhos de agosto: se bons, deixam a vontade impossível de morar neles, se maus, fica a suspeita de sinistros angúrios, premonições.
(...)
  Para atravessar agosto ter um amor seria importante, mas se você não conseguiu, se a vida não deu, ou ele partiu sem o menor pudor, invente um. 
Pode ser Natália Lage, Antonio Banderas, Sharon Stone, Robocop, o carteiro, a caixa do banco, o seu dentista. Remoto ou acessível, que você possa pensar nesse amor nas noites de agosto, viajar por ilhas do Pacífico Sul, Grécia, Cancún ou Miami, ao gosto do freguês. 
Que se possa sonhar, isso é que conta, com mãos dadas, suspiros, juras, projetos, abraços no convés à lua cheia, brilhos na costa ao longe. E beijos, muitos. Bem molhados.
Não lembrar dos que se foram, não desejar o que não se tem e talvez nem se terá, não discutir, nem vingar-se, e temperar tudo isso com chás, de preferência ingleses, cristais de gengibre, gotas de codeína, se a barra pesar, vinhos, conhaques – tudo isso ajuda a atravessar agosto. Controlar o excesso de informações para que as desgraças sociais ou pessoais não dêem a impressão de serem maiores do que são. Esquecer o Zaire, a ex-Iugoslávia, passar por cima das páginas policiais. Aprender decoração, jardinagem, ikebana, a arte das bandejas de asas de borboletas – coisas assim são eficientíssimas, pouco me importa ser acusado de alienação. É isso mesmo, evasão, escapismos explícitos.
Mas para atravessar agosto, pensei agora, é preciso principalmente não se deter demais no tema. Mudar de assunto, digitar rápido o ponto final, sinto muito, perdoe o mau jeito, assim, veja, bruto e seco: ."

[Caio Fernando Abreu - 6/8/1995 para o jornal O ESTADO DE SÃO PAULO]- Adaptado