terça-feira, 10 de outubro de 2017

Da palavra

"(...) Sim Senhor, tudo o que queira, mas são as palavras as que cantam, as que sobem e baixam.
Prosterno-me diante delas. 
Amo-as, uno-me a elas, persigo-as, mordo-as, derreto-as.
Amo tanto as palavras.
As inesperadas
As que avidamente a gente espera, espreita até que de repente caem.
Vocábulos amados
Brilham como pedras coloridas, saltam como peixes de prata, são espuma, fio, metal, orvalho...


Persigo algumas palavras.
São tão belas que quero colocá-las todas em meu poema
Tudo está na palavra.
Uma idéia inteira muda porque uma palavra mudou de lugar ou porque outra se sentou como uma rainha dentro de uma frase que não a esperava e que a obedeceu.


Agarro-as no vôo, quando vão zumbindo, e capturo-as, limpo-as, aparo-as, preparo-me diante do prato, sinto-as cristalinas, vibrantes, ebúrneas, vegetais, oleosas, como frutas, como algas, como ágatas, como azeitonas.

E então as revolvo, agito-as, bebo-as, sugo-as, trituro-as, adorno-as, liberto-as.
Deixo-as como estalactites em meu poema; como pedacinhos de madeira polida, como carvão, como restos de naufrágio, presentes da onda.


Têm sombra, transparência, peso, plumas, pêlos, têm tudo o que, se lhes foi agregando de tanto vagar pelo rio, de tanto transmigrar de pátria, de tanto ser raízes.

São antiqüíssimas e recentíssimas
Vivem no féretro escondido e na flor apenas desabrochada
Que bom idioma o meu, que boa língua herdamos dos conquistadores torvos
Estes andavam a passos largos pelas tremendas cordilheiras, pelas Américas encrespadas, buscando batatas, butifarras*, feijõezinhos, tabaco negro, ouro, milho, ovos fritos, com aquele apetite voraz que nunca mais se viu no mundo
Tragavam tudo: religiões, pirâmides, tribos, idolatrias iguais às que eles traziam em suas grandes bolsas
Por onde passavam a terra ficava arrasada
Mas caíam das botas dos bárbaros, das barbas, dos elmos, das ferraduras. 
Como pedrinhas, as palavras luminosas que permaneceram aqui resplandecentes... o idioma. 

Saímos ganhando

Levaram o ouro e nos deixaram o ouro.
Levaram tudo e nos deixaram tudo... 
Saímos perdendo

Deixaram-nos as palavras."


[Pablo Neruda - A palavra]

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