domingo, 10 de abril de 2016

Da troca

"Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega

para afastar o frio de quatro paredes.
Gastamos tudo menos o silêncio.
Gastamos os olhos com o sal das lágrimas,
gastamos as mãos à força de as apertarmos,
gastamos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras

e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro!
Era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais eu te dava mais tinha para te dar.

Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes!

e eu acreditava.
Acreditava, porque ao teu lado todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo em que trocávamos segredos,
no tempo em que o teu corpo era um aquário,
no tempo em que os meus olhos
eram peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastamos as palavras.
Não temos já nada para dar.
Dentro de ti não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.

Adeus."

[Eugenio de Andrade]

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