quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Do sonho

"(...)Sonhei que você sonhava comigo. 
Parece simples, mas me deixa inquieto. Cá entre nós, é um tanto atrevido supor a mim mesmo capaz de atravessar — mentalmente, dormindo ou acordado — todo esse espaço que nos separa e, de alguma forma que não compreendo, penetrar nessa região onde acontecem os seus sonhos para criar alguma situação onde, no fundo da sua mente, eu passasse a ter alguma espécie de existência. 
Não, não me atrevo. 
Então fico ainda mais confuso, porque também não sei se tudo isso não teria sido nem sonho, nem imaginação ou delírio, mas outra viagem chamada desejo. 
Verdade eu queria muito. 
Estou piorando as coisas, preciso ser mais claro. 

Começando de novo, quem sabe, começando agora:
Sonhei que você sonhava comigo.

Depois que sonhei que você sonhava comigo, continuei sonhando que você acordava desse sonho de sonhar comigo — e era um sonho bonito, aquele —, está entendendo? 

Você acordava, eu não.
Eu continuava sonhando, mas na continuação do meu sonho você tinha deixado de sonhar comigo. 
Você estava acordado, tentando adequar a imagem minha do sonho que você tinha acabado de sonhar à outra ou à soma de várias outras, que não sei se posso chamar de real, porque não foram sonhadas.
Mas, se foi o contrário, então era eu, e não você, quem tentava essa adequação — nessa continuação de sonho em que ou eu ou você ou nós dois sonhamos um com o outro. Nos víamos? Quase. (...)"

[Caio Fernando de Abreu - Por trás das vidraça in Pequenas Epifanias]

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