"Preciso de alguém, e é tão urgente o que digo. Perdoem excessivas, obscenas carências, pieguices, subjetivismos, mas preciso tanto e tanto. Perdoem a bandeira desfraldada, mas é assim que as coisas são-estão dentro-fora de mim: secas. Tão só nesta hora tardia - eu, patético detrito pós-moderno com resquícios de Werther e farrapos de versos de Jim Morrison, Abaporu heavy-metal -, só sei falar dessas ausências que ressecam as palmas das mãos de carícias não dadas.
(...) Para ficar ao lado, cúmplice, dividindo o astral, o ritmo, a over, a libido, a percepção da terra, do ar, do fogo, da água, nesta saudável vontade insana de viver.
Preciso de alguém que eu possa estender a mão devagar sobre a mesa para tocar a mão quente do outro lado e sentir uma resposta como - eu estou aqui, eu te toco também. Sou o bicho humano que habita a concha ao lado da conha que você habita, e da qual te salvo apenas porque te estendo a minha mão. No meio da fome, do comício, da crise, no meio do vírus, da noite e do deserto - preciso de alguém para dividir comigo essa sede. Que vontade, que vontade enorme de dizer outra vez meu amor, depois de tanto tempo, e tanto medo. Esse simples mas proibido agora: o de tocar no outro. (…)
Mas finjo de adulto, digo coisas falsamente sábias, faço caras sérias, responsáveis. Engano. Mistifico. Disfarço esta sede de ti, meu amor que nunca veio - viria? virá? - e minto não, já não preciso.
Preciso sim, preciso tanto.
Alguém que aceite tanto os meus sonos demorados quanto minhas insônias insuportáveis. Tanto meu ciclo ascético Francisco de Assis como meu ciclo etílico Bukowskiano. Que me desperte com um beijo, abra a janela para o sol ou a penumbra. (...) Para continuar vivendo preciso da parte de mim que não está em mim, mas guardada em você.
Tenho urgência de ti, meu amor. Para te tocar, para me tocar e no toque me salvar. Preciso ter certeza que inventar nosso encontro sempre foi pura intuição, não mera loucura. Para não morrer de sede, preciso de você agora, antes destas palavras todas cairem no abismo dos jornais não lidos ou jogados sem piedade no lixo. (...)
Como se fosse possível, como se fosse verdade, como se fosse ontem e amanhã."
[Caio Fernando Abreu]
domingo, 13 de janeiro de 2013
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