Depois que o tempo (sempre o tempo) foi diluindo qualquer boa lembrança do amor falecido, sobrou medo e uma razão descabida, exagerada para tudo quanto fosse emoção. Mas foi como se nada de importante acontecesse (e é sempre desse modo), como um choque, se deparou novamente com a aflição e deleite de viver como quem está sempre pronto pra fazer sorrir. Lembrou como é bom se doar de graça, dormir pouco mesmo tendo que acordar cedo, ceder sem sentir dor, mudar de opinião, admirar imperfeições, sorrir a tôa, dormir suspirando, lembrar do outro pelo cheiro e fazer planos. Sim, fazer planos. Não há nada mais delicioso do que fazer planos pra dois.
Outro golpe. Uma rasteira sem aviso prévio. Outra vez aquele buraco profundo que surge no chão, engole e leva para o vazio. Doeu. Dói. Não dava para enterrar dessa vez. Não dava pra comprar um sapato, mudar de cidade, mudar o cabelo, pintar as paredes, mudar de profissão. Precisou assumir a dor, deixá-la transparecer no olhar, nos gestos, na boca do estômago. Como gente grande, que não mostra, mas também não esconde as cicatrizes.
Sem certezas, com as pernas ainda fracas e ainda algumas mil lágrimas atrás dos olhos, desistiu de desistir. Deseja então, profundamente, tentar fazer alguém feliz sem hesitar. Nem que seja só enquanto durar. Nem que seja até doer outra vez. E dói."
[Clarissa Amorim]
[Clarissa Amorim]
Nenhum comentário:
Postar um comentário