"Era uma vez uma história.
Uma história que parecia ser a história da vida toda.
Um daqueles amores que se alongam por muitos, muitos anos alegres. Daqueles nos quais a gente não vê risco, ameaça ou qualquer possibilidade de dar errado. Até que um dia a gente cai do cavalo, perde o rumo, levanta o tapete e, eventualmente, até descobre uma quantidade imensa de mentiras escondidas, que a gente jamais imaginou que pudessem estar nos rondando.
No que acreditar quando somos obrigados a deixar de acreditar num projeto de vida inteiro?
Em quem acreditar quando não podemos acreditar na pessoa em quem confiávamos cegamente?
No que acreditar quando o futuro no qual a gente acreditava torna-se fumaça e começa a se dissipar pelo ar?
Tem gente que não teve uma história dessas, que parecia ser o rumo certo do destino de uma vida. Mas que teve muitas pequenas histórias.
Histórias que pareciam fazer algum sentido, que pareciam ser boas apostas, mas que acabaram por mostrar-se equívocos, desencontros, ilusões ou ciladas.
Tem gente que caminha, caminha e parece sempre chegar em uma rua sem saída.
Na rua sem saída é onde todos nós nos encontramos quando as coisas perdem o sentido.
De um jeito ou de outro, uma hora a gente se cansa de regar aquele vasinho da fé no amor.
O vasinho do encontro esperado e do final feliz, no qual nos fizeram acreditar desde cedo. Chega um momento no qual a gente diz que agora chega.
Que, se chover nele, choveu, mas nós não vamos mais nos responsabilizar por isso.
E, sabe? Essa fase não é má. Costuma até ser nela que aparecem pessoas bacanas, quando a gente deixa de procura-las.
O problema é quando as pessoas resolvem tirar o vasinho da varanda.
Resolvem que parar de regar não foi suficiente e que agora querem, definitivamente, parar de olhar para ele. Decidem então que o lugar dele não é mais na varanda, esperando uma rega esporádica ou uma chuva de verão, mas sim no fundo da garagem, dentro do porão ou, pior, num terreno baldio bem distante. Aí sim, é a descrença batendo na porta.
Era uma vez um amor do tamanho de um bonde.
Era uma vez rompimento e dor.
Era uma vez traição e mentira.
E era uma vez a gente, assistindo as pedras do nosso castelo despencarem uma por uma e vendo a cara do amor transformar-se num rosto desconhecido.
Era uma vez uma história que tinha tudo para colocar nosso vasinho no fundo da garagem.
Mas que sempre terá a varanda como alternativa. E pode ser que chova sem que a gente se dê conta. E que um brotinho apareça enquanto a gente está distraído.
Depois das cabeçadas e das avalanches, costuma aparecer um brotinho.
Frequentemente o melhor brotinho de todos. Bem quando a gente acha que não vai mais acreditar no amor do mesmo jeito.
E, de fato, o amor vira outra coisa, algo mais sólido e menos incondicional.
Vira motivo e não razão.
Vira o melhor complemento de uma existência que basta por si só.
Sorte a minha nunca ter levado o vasinho para a garagem.
Nenhum vasinho deve morar na garagem.
Eles merecem mais do que isso.
Nós merecemos mais do que isso.
Nós merecemos seguir acreditando."
[Ruth Manus]
quarta-feira, 18 de janeiro de 2017
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