quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

Da semente

"Era uma vez uma história. 
Uma história que parecia ser a história da vida toda. 
Um daqueles amores que se alongam por muitos, muitos anos alegres. Daqueles nos quais a gente não vê risco, ameaça ou qualquer possibilidade de dar errado. Até que um dia a gente cai do cavalo, perde o rumo, levanta o tapete e, eventualmente, até descobre uma quantidade imensa de mentiras escondidas, que a gente jamais imaginou que pudessem estar nos rondando.

No que acreditar quando somos obrigados a deixar de acreditar num projeto de vida inteiro?


Em quem acreditar quando não podemos acreditar na pessoa em quem confiávamos cegamente?


No que acreditar quando o futuro no qual a gente acreditava torna-se fumaça e começa a se dissipar pelo ar?


Tem gente que não teve uma história dessas, que parecia ser o rumo certo do destino de uma vida. Mas que teve muitas pequenas histórias. 

Histórias que pareciam fazer algum sentido, que pareciam ser boas apostas, mas que acabaram por mostrar-se equívocos, desencontros, ilusões ou ciladas. 
Tem gente que caminha, caminha e parece sempre chegar em uma rua sem saída. 
Na rua sem saída é onde todos nós nos encontramos quando as coisas perdem o sentido.

De um jeito ou de outro, uma hora a gente se cansa de regar aquele vasinho da fé no amor. 

O vasinho do encontro esperado e do final feliz, no qual nos fizeram acreditar desde cedo. Chega um momento no qual a gente diz que agora chega. 
Que, se chover nele, choveu, mas nós não vamos mais nos responsabilizar por isso. 
E, sabe? Essa fase não é má. Costuma até ser nela que aparecem pessoas bacanas, quando a gente deixa de procura-las.

O problema é quando as pessoas resolvem tirar o vasinho da varanda. 

Resolvem que parar de regar não foi suficiente e que agora querem, definitivamente, parar de olhar para ele. Decidem então que o lugar dele não é mais na varanda, esperando uma rega esporádica ou uma chuva de verão, mas sim no fundo da garagem, dentro do porão ou, pior, num terreno baldio bem distante. Aí sim, é a descrença batendo na porta.

Era uma vez um amor do tamanho de um bonde. 

Era uma vez rompimento e dor. 
Era uma vez traição e mentira.  
E era uma vez a gente, assistindo as pedras do nosso castelo despencarem uma por uma e vendo a cara do amor transformar-se num rosto desconhecido. 
Era uma vez uma história que tinha tudo para colocar nosso vasinho no fundo da garagem. 
Mas que sempre terá a varanda como alternativa. E pode ser que chova sem que a gente se dê conta. E que um brotinho apareça enquanto a gente está distraído.

Depois das cabeçadas e das avalanches, costuma aparecer um brotinho. 

Frequentemente o melhor brotinho de todos. Bem quando a gente acha que não vai mais acreditar no amor do mesmo jeito. 
E, de fato, o amor vira outra coisa, algo mais sólido e menos incondicional. 
Vira motivo e não razão. 
Vira o melhor complemento de uma existência que basta por si só.
Sorte a minha nunca ter levado o vasinho para a garagem. 

Nenhum vasinho deve morar na garagem. 
Eles merecem mais do que isso. 
Nós merecemos mais do que isso. 
Nós merecemos seguir acreditando."

[Ruth Manus]

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