terça-feira, 12 de junho de 2018

Happy Valentines Day

Ou a vida não tinha passado por mim, ou eu ainda não tinha passado pela vida.
Das duas, uma. 

Tanta gente celebrando o amor, jurando a eternidade em olhares líquidos e beijos inebriantes, entre alento, calentura e umidade.

Como eu gostaria de estar ao teu lado e fazer as tolices românticas das quais me rendo à graça, cometer as sandices de um amor escandaloso e escancarado, me entregar como propriedade exclusivamente tua e te chamar de meu no alto da autoridade de um reinado só nosso. 
Se existe a tal da inveja branca, essa é a minha. 
Assumo, sem o menor pudor, do quanto eu gostaria de ter você aqui comigo, mesmo sem — ainda — ter te conhecido.

Eu sei, parece loucura. 
Mas não é. 
Não existe delírio mais sano quando se trata de amar. 
Sou mera mártir do sistema falho amoroso, apenas uma metade solta, perdida neste universo de panelas com tampas e tampas e panelas avulsas. 
Ainda sem saber se sou tampa ou se sou panela, me pergunto se você existe e se existem mesmo as metades iguais, um amor sob medida, o encaixe perfeito entre dois corações que se completam. 

Talvez o tempero das relações felizes esteja, justamente, no destempero entre um e outro. 
Se assim for, aí está a minha pena: procurar em você uma perfeição que não é tua.
É que a gente cisma em buscar um amor perfeito, que seja como nós, como se nós fossemos o modelo da virtuosidade. 
Queremos alguém que nos compreenda e nos aceite, que nos ame sobrenaturalmente, que não argumente contra, que não opine ao avesso, e por aí vai. 
A lista de exigências é extensa. 
Parece difícil, mas diante de muito esforço, tropeços e feridas, nós até que encontramos.

Acontece que, mais dia, menos dia, o prazo de validade do encantamento expira, a sedução é vencida pela rotina, as ideias começam a ser confrontadas, obviamente, porque somos seres sortidos, cada um com a sua bagagem. 

Quando deixamos que o descontentamento e o aborrecimento construam incertezas dentro de nós, começamos a domesticar o amor, a pôr coleira no que antes era bicho solto e faceiro. 
Bom, o fim da história todo mundo já conhece.

Hoje, o meu peito melancólico e desejoso faz a prece daqueles que querem amar e ser amados. 


Persisto na tua busca honesta, na intenção de um recomeço com final feliz, peço descaradamente aos céus pela clareza para te diferenciar na prateleira dos corações avulsos. 
Rogo pelo discernimento em notar que a tua diferença me complementa. 
Prometo ser boa menina e cuidar bem de você, como a criança jura nas vésperas do Natal.

Ao mesmo tempo que eu te procuro por todos os lados, também te espero no canto de sempre, naquela mesa ao lado da janela, junto aos girassóis. 
Estou pronta para seguir de mãos dadas contigo, seja qual for o caminho, seja do jeito que for. 
Você só precisa chegar e a mim só me resta partir na embarcação daqueles que amam por todo e sempre. 
Amém.

[Karen Curi]

domingo, 13 de maio de 2018

Terceira margem do Rio

Nosso pai era homem cumpridor, ordeiro, positivo; e sido assim desde mocinho e menino, pelo que testemunharam as diversas sensatas pessoas, quando indaguei a informação. Do que eu mesmo me alembro, ele não figurava mais estúrdio nem mais triste do que os outros, conhecidos nossos. Só quieto. Nossa mãe era quem regia, e que ralhava no diário com a gente — minha irmã, meu irmão e eu. Mas se deu que, certo dia, nosso pai mandou fazer para si uma canoa.

Era a sério. Encomendou a canoa especial, de pau de vinhático, pequena, mal com a tabuinha da popa, como para caber justo o remador. Mas teve de ser toda fabricada, escolhida forte e arqueada em rijo, própria para dever durar na água por uns vinte ou trinta anos. Nossa mãe jurou muito contra a idéia. Seria que, ele, que nessas artes não vadiava, se ia propor agora para pescarias e caçadas? Nosso pai nada não dizia. Nossa casa, no tempo, ainda era mais próxima do rio, obra de nem quarto de légua: o rio por aí se estendendo grande, fundo, calado que sempre. Largo, de não se poder ver a forma da outra beira. E esquecer não posso, do dia em que a canoa ficou pronta.

Sem alegria nem cuidado, nosso pai encalcou o chapéu e decidiu um adeus para a gente. Nem falou outras palavras, não pegou matula e trouxa, não fez a alguma recomendação. Nossa mãe, a gente achou que ela ia esbravejar, mas persistiu somente alva de pálida, mascou o beiço e bramou: — "Cê vai, ocê fique, você nunca volte!" Nosso pai suspendeu a resposta. Espiou manso para mim, me acenando de vir também, por uns passos. Temi a ira de nossa mãe, mas obedeci, de vez de jeito. O rumo daquilo me animava, chega que um propósito perguntei: — "Pai, o senhor me leva junto, nessa sua canoa?" Ele só retornou o olhar em mim, e me botou a bênção, com gesto me mandando para trás. Fiz que vim, mas ainda virei, na grota do mato, para saber. Nosso pai entrou na canoa e desamarrou, pelo remar. E a canoa saiu se indo — a sombra dela por igual, feito um jacaré, comprida longa.

Nosso pai não voltou. Ele não tinha ido a nenhuma parte. Só executava a invenção de se permanecer naqueles espaços do rio, de meio a meio, sempre dentro da canoa, para dela não saltar, nunca mais. A estranheza dessa verdade deu para. estarrecer de todo a gente. Aquilo que não havia, acontecia. Os parentes, vizinhos e conhecidos nossos, se reuniram, tomaram juntamente conselho.

Nossa mãe, vergonhosa, se portou com muita cordura; por isso, todos pensaram de nosso pai a razão em que não queriam falar: doideira. Só uns achavam o entanto de poder também ser pagamento de promessa; ou que, nosso pai, quem sabe, por escrúpulo de estar com alguma feia doença, que seja, a lepra, se desertava para outra sina de existir, perto e longe de sua família dele. As vozes das notícias se dando pelas certas pessoas — passadores, moradores das beiras, até do afastado da outra banda — descrevendo que nosso pai nunca se surgia a tomar terra, em ponto nem canto, de dia nem de noite, da forma como cursava no rio, solto solitariamente. Então, pois, nossa mãe e os aparentados nossos, assentaram: que o mantimento que tivesse, ocultado na canoa, se gastava; e, ele, ou desembarcava e viajava s'embora, para jamais, o que ao menos se condizia mais correto, ou se arrependia, por uma vez, para casa.

No que num engano. Eu mesmo cumpria de trazer para ele, cada dia, um tanto de comida furtada: a idéia que senti, logo na primeira noite, quando o pessoal nosso experimentou de acender fogueiras em beirada do rio, enquanto que, no alumiado delas, se rezava e se chamava. Depois, no seguinte, apareci, com rapadura, broa de pão, cacho de bananas. Enxerguei nosso pai, no enfim de uma hora, tão custosa para sobrevir: só assim, ele no ao-longe, sentado no fundo da canoa, suspendida no liso do rio. Me viu, não remou para cá, não fez sinal. Mostrei o de comer, depositei num oco de pedra do barranco, a salvo de bicho mexer e a seco de chuva e orvalho. Isso, que fiz, e refiz, sempre, tempos a fora. Surpresa que mais tarde tive: que nossa mãe sabia desse meu encargo, só se encobrindo de não saber; ela mesma deixava, facilitado, sobra de coisas, para o meu conseguir. Nossa mãe muito não se demonstrava.

Mandou vir o tio nosso, irmão dela, para auxiliar na fazenda e nos negócios. Mandou vir o mestre, para nós, os meninos. Incumbiu ao padre que um dia se revestisse, em praia de margem, para esconjurar e clamar a nosso pai o 'dever de desistir da tristonha teima. De outra, por arranjo dela, para medo, vieram os dois soldados. Tudo o que não valeu de nada. Nosso pai passava ao largo, avistado ou diluso, cruzando na canoa, sem deixar ninguém se chegar à pega ou à fala. Mesmo quando foi, não faz muito, dos homens do jornal, que trouxeram a lancha e tencionavam tirar retrato dele, não venceram: nosso pai se desaparecia para a outra banda, aproava a canoa no brejão, de léguas, que há, por entre juncos e mato, e só ele conhecesse, a palmos, a escuridão, daquele.

A gente teve de se acostumar com aquilo. Às penas, que, com aquilo, a gente mesmo nunca se acostumou, em si, na verdade. Tiro por mim, que, no que queria, e no que não queria, só com nosso pai me achava: assunto que jogava para trás meus pensamentos. O severo que era, de não se entender, de maneira nenhuma, como ele agüentava. De dia e de noite, com sol ou aguaceiros, calor, sereno, e nas friagens terríveis de meio-do-ano, sem arrumo, só com o chapéu velho na cabeça, por todas as semanas, e meses, e os anos — sem fazer conta do se-ir do viver. Não pojava em nenhuma das duas beiras, nem nas ilhas e croas do rio, não pisou mais em chão nem capim. Por certo, ao menos, que, para dormir seu tanto, ele fizesse amarração da canoa, em alguma ponta-de-ilha, no esconso. Mas não armava um foguinho em praia, nem dispunha de sua luz feita, nunca mais riscou um fósforo. O que consumia de comer, era só um quase; mesmo do que a gente depositava, no entre as raízes da gameleira, ou na lapinha de pedra do barranco, ele recolhia pouco, nem o bastável. Não adoecia? E a constante força dos braços, para ter tento na canoa, resistido, mesmo na demasia das enchentes, no subimento, aí quando no lanço da correnteza enorme do rio tudo rola o perigoso, aqueles corpos de bichos mortos e paus-de-árvore descendo — de espanto de esbarro. E nunca falou mais palavra, com pessoa alguma. Nós, também, não falávamos mais nele. Só se pensava. Não, de nosso pai não se podia ter esquecimento; e, se, por um pouco, a gente fazia que esquecia, era só para se despertar de novo, de repente, com a memória, no passo de outros sobressaltos.

Minha irmã se casou; nossa mãe não quis festa. A gente imaginava nele, quando se comia uma comida mais gostosa; assim como, no gasalhado da noite, no desamparo dessas noites de muita chuva, fria, forte, nosso pai só com a mão e uma cabaça para ir esvaziando a canoa da água do temporal. Às vezes, algum conhecido nosso achava que eu ia ficando mais parecido com nosso pai. Mas eu sabia que ele agora virara cabeludo, barbudo, de unhas grandes, mal e magro, ficado preto de sol e dos pêlos, com o aspecto de bicho, conforme quase nu, mesmo dispondo das peças de roupas que a gente de tempos em tempos fornecia.

Nem queria saber de nós; não tinha afeto? Mas, por afeto mesmo, de respeito, sempre que às vezes me louvavam, por causa de algum meu bom procedimento, eu falava: — "Foi pai que um dia me ensinou a fazer assim..."; o que não era o certo, exato; mas, que era mentira por verdade. Sendo que, se ele não se lembrava mais, nem queria saber da gente, por que, então, não subia ou descia o rio, para outras paragens, longe, no não-encontrável? Só ele soubesse. Mas minha irmã teve menino, ela mesma entestou que queria mostrar para ele o neto. Viemos, todos, no barranco, foi num dia bonito, minha irmã de vestido branco, que tinha sido o do casamento, ela erguia nos braços a criancinha, o marido dela segurou, para defender os dois, o guarda-sol. A gente chamou, esperou. Nosso pai não apareceu. Minha irmã chorou, nós todos aí choramos, abraçados.

Minha irmã se mudou, com o marido, para longe daqui. Meu irmão resolveu e se foi, para uma cidade. Os tempos mudavam, no devagar depressa dos tempos. Nossa mãe terminou indo também, de uma vez, residir com minha irmã, ela estava envelhecida. Eu fiquei aqui, de resto. Eu nunca podia querer me casar. Eu permaneci, com as bagagens da vida. Nosso pai carecia de mim, eu sei — na vagação, no rio no ermo — sem dar razão de seu feito. Seja que, quando eu quis mesmo saber, e firme indaguei, me diz-que-disseram: que constava que nosso pai, alguma vez, tivesse revelado a explicação, ao homem que para ele aprontara a canoa. Mas, agora, esse homem já tinha morrido, ninguém soubesse, fizesse recordação, de nada mais. Só as falsas conversas, sem senso, como por ocasião, no começo, na vinda das primeiras cheias do rio, com chuvas que não estiavam, todos temeram o fim-do-mundo, diziam: que nosso pai fosse o avisado que nem Noé, que, por tanto, a canoa ele tinha antecipado; pois agora me entrelembro. Meu pai, eu não podia malsinar. E apontavam já em mim uns primeiros cabelos brancos.

Sou homem de tristes palavras. De que era que eu tinha tanta, tanta culpa? Se o meu pai, sempre fazendo ausência: e o rio-rio-rio, o rio — pondo perpétuo. Eu sofria já o começo de velhice — esta vida era só o demoramento. Eu mesmo tinha achaques, ânsias, cá de baixo, cansaços, perrenguice de reumatismo. E ele? Por quê? Devia de padecer demais. De tão idoso, não ia, mais dia menos dia, fraquejar do vigor, deixar que a canoa emborcasse, ou que bubuiasse sem pulso, na levada do rio, para se despenhar horas abaixo, em tororoma e no tombo da cachoeira, brava, com o fervimento e morte. Apertava o coração. Ele estava lá, sem a minha tranqüilidade. Sou o culpado do que nem sei, de dor em aberto, no meu foro. Soubesse — se as coisas fossem outras. E fui tomando idéia.

Sem fazer véspera. Sou doido? Não. Na nossa casa, a palavra doido não se falava, nunca mais se falou, os anos todos, não se condenava ninguém de doido. Ninguém é doido. Ou, então, todos. Só fiz, que fui lá. Com um lenço, para o aceno ser mais. Eu estava muito no meu sentido. Esperei. Ao por fim, ele apareceu, aí e lá, o vulto. Estava ali, sentado à popa. Estava ali, de grito. Chamei, umas quantas vezes. E falei, o que me urgia, jurado e declarado, tive que reforçar a voz: — "Pai, o senhor está velho, já fez o seu tanto... Agora, o senhor vem, não carece mais... O senhor vem, e eu, agora mesmo, quando que seja, a ambas vontades, eu tomo o seu lugar, do senhor, na canoa!..." E, assim dizendo, meu coração bateu no compasso do mais certo.

Ele me escutou. Ficou em pé. Manejou remo n'água, proava para cá, concordado. E eu tremi, profundo, de repente: porque, antes, ele tinha levantado o braço e feito um saudar de gesto — o primeiro, depois de tamanhos anos decorridos! E eu não podia... Por pavor, arrepiados os cabelos, corri, fugi, me tirei de lá, num procedimento desatinado. Porquanto que ele me pareceu vir: da parte de além. E estou pedindo, pedindo, pedindo um perdão.

Sofri o grave frio dos medos, adoeci. Sei que ninguém soube mais dele. Sou homem, depois desse falimento? Sou o que não foi, o que vai ficar calado. Sei que agora é tarde, e temo abreviar com a vida, nos rasos do mundo. Mas, então, ao menos, que, no artigo da morte, peguem em mim, e me depositem também numa canoinha de nada, nessa água que não pára, de longas beiras: e, eu, rio abaixo, rio a fora, rio a dentro — o rio.


[Primeiras Estórias - J.G.R.]

segunda-feira, 7 de maio de 2018

D'Ele

"O que há em mim é sobretudo cansaço — Não disto nem daquilo, Nem sequer de tudo ou de nada: Cansaço assim mesmo, ele mesmo, Cansaço. 

A subtileza das sensações inúteis, As paixões violentas por coisa nenhuma, Os amores intensos por o suposto em alguém, Essas coisas todas — Essas e o que falta nelas eternamente —; Tudo isso faz um cansaço, Este cansaço, Cansaço. 


Há sem dúvida quem ame o infinito, Há sem dúvida quem deseje o impossível, Há sem dúvida quem não queira nada — Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles: 


Porque eu amo infinitamente o finito, Porque eu desejo impossivelmente o possível, Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser, Ou até se não puder ser... 


E o resultado? Para eles a vida vivida ou sonhada, Para eles o sonho sonhado ou vivido, Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto... Para mim só um grande, um profundo, E, ah com que felicidade infecundo, cansaço, Um supremíssimo cansaço, Íssimno, íssimo, íssimo, Cansaço... "


Álvaro de Campos, in "Poemas" Heterónimo de Fernando Pessoa 

terça-feira, 3 de abril de 2018

"Be patient toward all that is unresolved in your heart… 
Try to love the questions themselves… 
Do not now seek the answers, which cannot be given because you would not be able to live them—and the point is to live everything. 
Live the questions now. 
Perhaps you will then gradually, without noticing it, live along some distant day into the answers."

Ranier Maria Rilke

sexta-feira, 23 de março de 2018

Dos morangos mofados

Prelúdio
No entanto (até no-entanto dizia agora) estava ali e era assim que se via. Era dentro disso que precisava mover-se sob o risco de. Não sobreviver, por exemplo — e queria? Enumerava frases como é-assim-que-as-coisas-são ou que-se-há-de-fazer-que-se-há-de-fazer ou apenas afinal.quem.se.importa. E a cada dia ampliava-se na boca aquele gosto de morangos mofando, verde doentio guardado no fundo escuro de algama gaveta.

Allegro Agitato
Pois o senhor está em excelente forma, a voz elegante do médico, têniporas grisalhas como um coadjuvante de filme americano, vestido d0 bege, tom sur tom dos sapatos polidos à gravata frouxa, na medida justa entre o desalinho e a descontração. Não há nada errado com o seu coração nem com o seu corpo, muito menos com o seu cérebro. Caro senhor. Acendeu outro cigarro, desses que você fuma o dobro para evitara metade do veneno, mas não é no cérebro que acho que tenho o câncor, doutor, é na alma, e isso não aparece em check-up algum.
Mal do nosso tempo, sei, pensou, sei, agora vai desandar a tecer considerações sócio-político-psicanalíticas sobre O Espantoso Aumento da Hipocondria Motivada Pela Paranóia dos Grande Centros Usbanos, cara bem barbeada, boca de próteses perfeitas, uma puta certa Vt disse que os médicos são os maiores tarados (talvez pela intimidade colstante com a carne humana, considerou), e este? Rápido, analisou: no máximo chupar uma boceta, praticar-sexo-oral, como diria depois, escovando meticuloso suas próteses perfeitas, naturalmente que se o senhor pudesse diminuir o cigarro sempre é bom, muito leite, fervido, é claro, para evitar os cloriformes, ar puro, um pouco de exercício, cooper, quem sabe, mais pensando no futuro do que em termos imediatos, claro. Mas se o futuro, doutor, é um inevitável finalmente alguém apertou o botão e o cogumelo metálico arrancando nossas peles vivas, bateu com cuidado o cigarro no cinzeiro, um cinzeiro de metal, odiava objetos de metal, e tudo no consultório era metal cromado, fórmica, acrílico, anti-séptico, im-po-lu-to, assim o próprio médico, não ousando além do bege. Na parede a natureza-morta com secas uvas brancas, peras pálidas, macilentas maçãs verdes. Nenhuma melancia escancarada, nenhuma pitanga madura, nenhuma manga molhada, nenhum morango sangrento. Um morango mofado — e este gosto, senhor, sempre presente em minha boca?
Azia, má digestão, sorriso complacente de dentes no mínimo trinta por cento autênticos (e o que fazer, afinal? dançar um tango argentino, ou seria cantar? cantarolou calado assim “quiero emborrachar mi corazón para olvidar um toco amor que más que amor fue una traición’ tinha versos à espreita, adequados a qualquer situação, essa uma vantagem secreta sobre os outros, mas tão secreta que era também uma desvantagem, entende? nem eu, versos emboscados da nossa mais fina lira, tangos argentinos e rocks dilacerantes, com ênfase nos solos de guitarra). Um tranqüilizante levinho levinho aí umas cinco miligramas, que o senhor tome três por dia, ao acordar, após o almoço, ao deitar-se, olhos vidrados, mente quieta, coração tranqüilo, sístole, pausa, diástole, pausa, sístole, pausa, diástole, sem vãs taquicardias, freio químico nas emoções. Assim passaria a movimentar-se lépido entre malinhas 007, paletós cardin, etiquetas fiorucci, suavemente drogado, demônios suficientemente adormecidos para não incomodar os outros. Proibido sentimentos, passear sentimentos, passear sentimentos desesperados de cabeça para baixo, proibido emoções cálidas, angústias fúteis, fantasias mórbidas e memórias inúteis, um nirvana da bayer e se é bayer. Suspirou, suspirava muito ultimamente, apanhou a receita, assinou um cheque com fundos, naturalmente, e saiu antes de ouvir um delicado porque, afinal, o senhor ainda é tão jovem.

Adagio sostenuto
Quando acordou, o sol já não batia no terraço, o que trocado em miúdos significavá algo assim como mais-de-duas-da-tarde. Tinha tomado três comprimidos, um pela manhã, outro pelo almoço, outro antes de dormir, só que juntos — e o gosto persistia na boca. Strawberry, pensou, e quis então como antigamente ouvir outra vez os Beaties, mas ainda na cama teve preguiça de dar dois passos até o toca-discos, e onde andariam agora, perdidos entre tantas simones e donnas summers, tanto mas tanto tempo, nem gostava mais de maconha. Acariciou o pau murcho, com vontade longe, querendo mandar parar aquele silêncio horrível de apartamento de homem solteiro, a empregada não viria, ele não tinha colocado gasolina no carro, nem descontado cheque, nem batalhado uma trepadinha de fim de semana, nem tomado nenhuma dessas pré-lúdicas providências-de-sexta-feira-após-o-almoço, e precisava. Precisava inventar um dia inteiro ou dois, porque amanhã é domingo e segunda—feira ninguém sabe o quê.
Acendeu um cigarro, assim em jejum lembrando úlceras, enfisemas, cirroses, camadas fibrosas recobrindo o fígado, mas o fígado continuaria existindo sob as tais fibras ou seria substituído por? Ninguém saberia explicar, cuecas sintéticas dessas que dão pruridos & impotência jogadas sobre o tapete, uma grana, imitação perfeita de persa. O telefone então tocou, como costuma às vezes tocar nessas horas, salvando a página em branco após a vírgula, ele estendeu a mão, tinha dedos até bonitos ele, juntas nodosas revelando angústia & sensibilidade, como diria Alice, mas Alice foi embora faz tempo, a cadela que eu até comia direitinho, estimulando o clitóris comme ilfaut, não é assim que se diz que se faz que se. O telefone tocou uma vez mais, e como se diz nesses casos, mais uma e mais outra e outra mais, enquanto com uma das mãos ele ligava o rádio libertando uma onda desgrenhada de violinos, Wagner, supôs, que tinha sua cultura, sua leitura, valquírias, nazismos, dachaus, judeus, e com a outra acariciava o pau começando a vibrar estimulado talvez pelos violinos, judeus, davis.
O telefone parou, o telefone não fazia nenhum som especial ao parar, mas deveria arfar, gemer quando entrasse fundo, duro e quente, judeuzinho de merda, deve estar metido naquele kibutz no meio da areia plantando trigo, não, trigo acho que não, é muito seco, azeitonas quem sabe, milho talvez, a cabeça quente do pau vibrava na palma da mão, foi no que deu ficar trocando livrinho de Camus por Anna Seghers, pervitin por pambenil, tesão se resolve é na cama, não emprestando livro nem apresentando droga, anote, aprenda, mas agora è troppo tarde, tudo já passou e minha vida não passa de um ontem não resolvido, bom isso. E idiota. E inútil.
Levantou de repente. Foi então que veio a náusea, só o tempo de caminhar até o banheiro e vomitar aos roncos e arquejos, onde estão todos vocês, caralho, onde as comunidades rurais, os nirvanas sem pedágio, o ácido em todas as caixas-d’água de todas as cidades, o azul dos azulejos começando a brilhar, maya, samsara, que às vezes voltava. De súbito lisérgico no meio de uma frase tonta, de um gesto pouco, de um ato porco como esse de vomitar agora as quinze miligramas leves leves. Alice abria as coxas onde a penugem se adensava em pêlos ruivos, depois gemia gostoso, calor molhado lá dentro. Neurônios arrebentados, tem um certo número sobrando, depois vão morrendo, não se recompõem nunca mais, quantos me restarão, meu deus e a mão de pêlos escuros de Davi acariciando as minhas veias até incharem, quase obscenas, latejando azul-claro sob a pele. Sabe, cara, quando te aplico assim com a agulha lá no fundo, às vezes chego a pensar que. Noites sem dormir e a luz do dia esverdeando as caras pálidas e as peles secas desidratadas e as vozes roucas de tanto falar e fumar e falar e fumar. Vomitou mais. Nojo, saudade. Sou um publicitário bem-sucedido, macio, rodando nas nuvens, o Carvalho me disse que rodando-nas-nuvens é do caralho, que achado, cara, você é um poeta, enquanto olho pra ele e não digo nada como eu mesmo já rodei nas nuvens um dia, agora tou aqui, atolado nesta bosta colorida, fodida & bem paga. Strawberryfields: no meio do vômito podia distinguir aqui e ali alguns pedaços de morangos boiando, esverdeados pelo mofo.

Andante ostinato
Nem ontem nem amanhã, só existe agora, repetia Jack Nicholson antes de ser morto a pauladas, enquanto ele espiava Davi jogado no fundo do poço tão profundo que precisaria de uma escada para descer até lá, evitando os escombros da cidadezinha que era ao mesmo tempo Kõln após a guerra e o Passo da Guanxuma, com aquele lago no centro de onde sem parar partiam ou chegavam barcos, nunca saberia, e não importa, Alice corria entre os ciprestes do cemitério sem túmulos enquanto ele gritava Alice, Alice, minha filha, quando é que você vai se convencer que não está mais do outro lado do espelho, até encontrar Billie Holiday em pé na escada entre paredes demolidas, aqueles degraus subindo para o nada, com Billie no topo decepada, solta no espaço de escombros repetindo e repetindo “you’ve changed, baby oh baby, you’ve changed so much’ estendeu a mão para socorrer John Lennon mas quando abriu a boca sangrenta, feito um vento preso numa caixa fugiu aquele horrível cheiro de morangos guardados há muito tempo, como um vento vindo do mar, um mar anterior, um mar quase infinito onde nenhuma gota é passado, nenhuma gota é futuro, tudo presente imóvel e em ação contínua, o cheiro de maresia era o mesmo do hálito da pantera biônica de cabelos dourados. Ah tantos anos de análise freudiana kleiniana junguiana reichiana rankiana rogeriana gestáltica. E mofo de morangos.
Gritaria. Mas acordou com o plim-plim eletrônico antes sequer de abrir a boca. O vento fresco da madrugada embalava as cortinas brancas feito velas de um barco encalhado, uma nau com todas as velas pandas, não adianta chorar, Alice, já falei que é loucura, pára de bater essas malditas carreiras, teu nariz vai acabar furando, melhor ser monja budista em Vitória do Espírito Santo ou carmelita descalça em Calcutá ou a mais puta das puras na putaqueapariu, não me olhe assim do fundo do poço, não me encham o saco com esse plim-plim hipnótico, eu fico aqui, meu bem, entre escombros.
Desligou a televisão, saiu para o terraço de plantas empoeiradas, devia cuidar melhor delas, não fosse essa presença viva dentro de mim corroendo carcomendo a célula pirada na alma fermentando o gosto nojento na língua. O cheiro daquele único jasmim espalhado sobre os sete viadutos da avenida mais central. Bastava um leve impulso, debruçou-se no parapeito, entrevado, morto da cintura para baixo, da cintura para cima, da cintura para fora, da cintura para dentro — que diferença faz? Oficializar o já acontecido: perdi um pedaço, tem tempo. E nem morri.


Minueto e rondó
Amanhecia. Não havia ninguém na rua.
Não, foi assim: debruçado no terraço, ele olhou primeiro para cima — e viu que o azul do céu quase preto aqui e ali se fazia cinza cada vez mais claro em direção ao horizonte, se houvesse horizonte, em todo caso atrás dos últimos edifícios que eram, digamos, um sucedâneo de horizontes. E amanhecia, concluiu então. Debruçado no terraço, ele olhou segundo para baixo — e viu que na longa rua não havia rumores nem carros nem pessoas, sóos sete viadutos também desertos. Não havia ninguém na rua, concluiu ainda.
Debruçado no terraço, amanhecia.
Ao mesmo tempo, em seguida, um de-dentro pensou: e se alguém realmente e finalmente apertou o botão? e se aquele cinza-claro no sucedâneo de horizonte for o clarão metálico? e se eu estava dormindo quando tudo aconteceu? e se fiquei sozinho na cidade, no país, no continente, no planeta? Sabia que não. E um outro de-dentro pensava também, se sobrepujando mais claro, quase organizado, não totalmente porque para dizer a verdade não era um pensamento nem uma emoção, mas algo assim como o cinza-claro brotando natural por sobre o horizonte, se houvesse horizonte, ou como o vento fresco batendo nas cortinas, ou ainda como se uma onda nascesse daquele imóvel mar ativo, ali onde começa a luz, onde começa o vento, onde começa a onda, desse lugar qualquer que eu não sei, nem você, nem ele sabia agora: brotou qualquer coisa como — não quero ser piegas, mas talvez não tenha outro jeito — uma luz, um vento, uma onda. Exatamente. Uma onda calma ou arquejante, um vento minuano ou siroco, uma luz mortiça ou luminosa, repito que brotou, repetiu incrédulo.
Ele teve certeza. Ou claras suspeitas. Que talvez não houvesse lesões, no sentido de perder, mas acúmulos no sentido de somar? Sim sim. Transmutações e não perdas irreparáveis, alices-davis que o tempo levara, mas substituições oportunas, como se fossem mágicas, tão a seu tempo viriam, alices-davis que um tempo novo traria? Não era uma sensação química. Ele não tinha a boca seca nem as pupilas dilatadas. Estava exatamente como era, sem aditivos.
Vou-me embora, pensou: a estrada é longa.
Tocou então o próprio corpo. Uma glória interior, foi assim que batizou solene, infinitamente delicado, quando ela brotou. Arpejo, foi o que lhe ocorreu, ridículo complacente, cor-nu-có-pia soletrou, quero um instante assim barroco, desejou. Mas vestido de amarelo como estava, visto de costas contra o céu, supondo que uma câmera cinematográfica colocada aqui na porta desta sala o enquadrasse agora pareceria quase bizantino, ouro sobre azul, magreza mística, que tinha sua cultura, sua leitura. E culpa alguma. Gótico, gemeu torcido, unindo as duas mãos no sexo, no ventre, no peito, no rosto e elevando-as acima da cabeça.
O sol estava nascendo.
Poderia talvez ser internado no próximo minuto, mas era realmente um pouco assim como se ouvisse as notas iniciais de A sagração da primavera. O gosto mofado de morangos tinha desaparecido. Como uma dor de cabeça, de repente. Tinha cinco anos mais que trinta. Estava na metade, supondo que setenta fosse sua conta. Mas era um homem recém-nascido quando voltou-se devagar, num giro de cento e oitenta graus sobre os próprios pés, para deslizar as costas pela sacada até ficar de joelhos sobre os ladrilhos escuros, as mãos postas sobre o sexo.
Abriu os dedos. Absolutamente calmo, absolutamente claro, absolutamente só enquanto considerava atento, observando os canteiros de cimento: será possível plantar morangos aqui? Ou se não aqui, procurar algum lugar em outro lugar? Frescos morangos vivos vermelhos.
Achava que sim.
Que sim.
Sim.

[Caio Fernando de Abreu]

domingo, 18 de março de 2018

Della voglia

"Vorrei sentire di più, come quando da piccola ascoltavo i silenzi e li capivo. 
Come quando da piccola nel bel mezzo di un abbraccio mi sentivo al sicuro. 
Ora mi divincolo, mi scanso e se so che qualcosa potrebbe farmi bene la evito, perché tanto mi farà più male che bene. 
Mi hanno insegnato così e io, sciocca, mi sono fidata di loro. 
Vorrei tornare a quel giorno in cui mi hanno detto che non ero abbastanza bella, a quello in cui mi hanno detto “non posso amarti”, a quello in cui mi hanno toccata giurando di amarmi, e poi... 
Vorrei tornare lì e dire a tutti “va bene, vi perdono, ma lasciatemi il mio cuore”. 
Vorrei tornare su quel treno che prendevo sempre e vorrei parlare di nuovo con quella signora che ripeteva in continuazione che avrebbe voluto vivere al mare. 
Invece, mi sento sempre più sola."

[Susanna Casciani] 

quarta-feira, 14 de março de 2018

Del vero amore



"Il vero amore contiene l’elemento della gentilezza amorevole, che è la capacità di offrire felicità.

Per rendere felice una persona bisogna esserci.

Si dovrebbe imparare a guardarla, a parlarle.

Rendere un’altra persona felice è un’arte che si impara.


Il secondo elemento che compone il vero amore è la compassione, la capacità di togliere il dolore, di trasformarlo nella persona che amiamo.

Anche in questo caso bisogna praticare il guardare in profondità per riuscire a vedere che tipo di sofferenza ha in sè quella persona.

Spesso avviene che l’altra persona, compresa e sostenuta, sarà in grado di affrontare più facilmente le difficoltà della sua vita, perchè sentirà che siete dalla sua parte.


Il terzo elemento è la gioia.

Il vero amore vi deve portare gioia e felicità, non sofferenza giorno dopo giorno.


Il quarto e ultimo elemento è la libertà.

Se amando sentite di perdere la vostra libertà, di non avere più spazio per muovervi, quello non è vero amore."


[Thich Nhat Hanh, Tutti i segreti dell’amore]

segunda-feira, 12 de março de 2018

segunda-feira, 5 de março de 2018

Per te.

"Tu stesso sei la porta ed anche il guardiano che proibisce l'entrata." 

[A. Jodorowsky]

quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

Mais sobre o mesmo

"O amor resiste à distância, ao silêncio das separações e até às traições. 
Sem perdão não há amor. 
Diga-me quem você mais perdoou na vida, e eu então saberei dizer quem você mais amou.

O amor é equação onde prevalece a multiplicação do perdão. Você o percebe no momento em que o outro fez tudo errado, e mesmo assim você olha nos olhos dele e diz: “Mesmo fazendo tudo errado eu não sei viver sem você. Eu não posso ser nem a metade do que sou se você não estiver por perto.”


O amor é provado no fogo, na dura experiência de dar a vida pelo outro. 

Caso contrário, não é amor; é ilusão. Você sabe que alguém o ama não pelo que ele fala, mas pelo que faz. O amor não sobrevive de teorias. 
Não adianta falar para seu filho que o ama se seus gestos não correspondem a esse amor. 
Palavras sem gestos não edificam.

O amor é a capacidade de descobrir no outro o que ele ainda não sabia que tinha."


[Padre Fábio de Melo]

sábado, 24 de fevereiro de 2018

Amém

"Anche se mi umiliano con la loro ipocrisia, mi abbattono con la loro rozza brutalità, tengo sempre a mente che la Via è una sola, e nulla può bloccarla se il mio cuore si mantiene puro.
É giusto paragonare questo al viaggio per mare su una imbarcazione, che però presuppone sempre un saggio timoniere.
Il vero coraggio scaturisce solo da un cuore puro.
Lo si può paragonare anche ad un fiore di loto, e il valore profondo di questo simbolo sta nel numero segreto dei suoi petali.
Una volta reciso, il fiore rimane ferito, il suo splendore offuscato. 

.
Custodisco il mio cuore dunque e li proteggo dagli indegni, per mantenerlo puro.
E' bene infatti rendersi conto che solo il Signore del Fiore di Loto può avere accesso al segreto di tutti i suoi petali".

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

...

"Enquanto uma chora, outra ri; é a lei do mundo, meu rico senhor; é a perfeição universal. 
Tudo chorando seria monótono, tudo rindo cansativo; mas uma boa distribuição de lágrimas e polcas, soluços e sarabandas, acaba por trazer à alma do mundo a variedade necessária, e faz-se o equilíbrio da vida."

[Quincas Borba - cap. 15 - Machado de Assis]

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

"Non ci sarà mai il tempo di fare quello che ci va
Mandiamo tutta la nostra poesia a puttane
E tu amami come ameresti te se fossi me e viceversa
Quindi male e senza capire niente
Ma col cielo al suo posto in una città trafficata
Una vita al contrario ed I sogni a metà
Ah aaah
Abbiamo finito la felicità"

[Lo stato sociale - Amarsi male]

quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

sábado, 27 de janeiro de 2018

quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

La javanaise

"If I told you about her, what would I say?
That they lived happily ever after? I believe they did.
That they were in love? That they remained in love?
I'm sure that's true.
But when I think of her - of Elisa - the only thing that comes to mind is a poem, whispered by someone in love, hundreds of years ago:

"Unable to perceive the shape of You,
I find You all around me.
Your presence fills my eyes with Your love,
It humbles my heart,
For You are everywhere."

[The shape of water, 2017]

terça-feira, 23 de janeiro de 2018

What a waste...

"Mr. Perlman: You too had a nice friendship. You're too smart not to know how rare, how special, what you two had was.
Elio: Oliver was Oliver.
Mr. Perlman: Parce-que c'etait lui, parce-que c'etait moi.
Mr. Perlman: What you two had, had everything and nothing to do with intelligence. He was good, and you were both lucky to have found each other, because... you too are good.
Elio: I think he was better than mine, I think he was better than me.
Mr. Perlman: I'm sure he'd say the same thing about you, which flatters you both. And, you obviously felt something.
You too have a beautiful friendship, maybe more that that. And I envy you.
Mr. Perlman: We rip out so much of ourselves to be cured of things faster than we should that we go bankrupt by the age of thirty and have less to offer each time we start with someone new. But to feel nothing so as not to feel anything - what a waste!
Mr. Perlman: Then let me say one more thing. It'll clear the air. I may have come close, but I never had what you two have. Something always held me back or stood in the way. How you live your life is your business, just remember, our hearts and our bodies are given to us only once. And before you know it, your heart is worn out, and, as for your body, there comes a point when no one looks at it, much less wants to come near it. Right now, there's sorrow, pain. Don't kill it and with it the joy you've felt."
[Call me by your name, 2017]

domingo, 14 de janeiro de 2018

Da paz

"A minha vida nunca foi fácil. 
É, ela não foi. 
Nada foi me dado de graça. 
E não digo isso só de profissão, de estudos, de conquistas. Falo em todos os aspectos. 
A vida dos outros sempre me pareceu mais leve; mais lógica; mais natural. 
Minhas engrenagens não giram na inércia. Elas travam. 
Tudo demanda um esforço ferrenho para ser bem-sucedido. Energia, as minhas melhores. 
Às vezes me pergunto se quero dar essa herança para os meus filhos. Às vezes não quero não. 
Mas incansavelmente busquei o meu equilíbrio. 
A minha realização. 
Blindar aquilo que é mais caro para mim. 
Me desfazer do supérfluo, dos pesos, das complicações, da negatividade. 
Estabelecer limites, prioridades e importâncias. 
Certeza sobre o que eu queria ser. 
Convicções. 
E ainda assim, a luta é constante. 
Os obstáculos intermináveis. 
Querem roubar minha paz..."

[Thessa Avelar]

quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

domingo, 5 de novembro de 2017

Do casório

"I know I won't be leaving here with you.
I say: Don't you know?
You said: You don't know.
I say: Take me out"

.

É bom saber que alguém ainda se sente atraído por mim.
É bom saber que alguém ainda me acha legal.
É bom saber que meu gosto musical é ótimo.
É bom sentir que alguém gostou de me conhecer.
É bom saber que eu posso e mereço mais do que tenho recebido.

terça-feira, 31 de outubro de 2017

Piccolo sfogo

Quando la vita ti porta via chi ami alla follia, non sei più lo stesso, sei depresso, incazzato con il mondo, ti ritrovi perso, diverso e solo. Dopo tutto che ho passato per poter arrivare al punto che mi incontro oggi, sono passati troppo tempo e sofferenza. 

Riuscire oggi a convivere con la consapevolezza di non averti più al mio fianco, per raccontarmi di te e condividere la vita, mi fa triste e senza speranza.Ma subitamente mi rendo conto che le mie debolezze sono sciocchezze. Mi hanno portato solo a non avere fiducia in me stessa, a buttarmi giù l'autostima, a pensare che non sono sufficiente per essere amata.. attualmente lo so che sono tutte cazzate, ma ho sofferto a lungo per tutto questo. 

Oggi, il semplice fato di avere visto la tua faccia sorridente almeno alcune minuti, mi ha lasciato paradossalmente felice e persa.Le tue parole ancora mi rimbombano in testa, ma il tuo sguardo e la mia intuizione mi dicono l'opposto. Ho fatto tutto che potevo e che non potevo, e le risposte non hanno cambiato. 

Ma Dio riempie sempre il mio cuore di speranza e amore, mi fa forte e con la sensazione che così supererò tutto.
Supereremo tutto. Sempre. 
Anche se non siete insieme a me come io augurio. 
Anche consapevole che non si può amare per due. Ma questo sono temi per altri testi e parole...

quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Due anni

"Basta pensar em sentir
Para sentir em pensar.
Meu coração faz sorrir
Meu coração a chorar.

Depois de parar de andar,
Depois de ficar e ir,
Hei de ser quem vai chegar
Para ser quem quer partir.

Viver é não conseguir."

[Fernando Pessoa]

sábado, 14 de outubro de 2017

eu, tu, ele, ela, nós, vós, eles. eu.

"em mim 
eu vejo o outro
e outro 
e outro 
enfim 
dezenas
trens passando
vagões cheios de gente
centenas
o outro que há em mim
é você
você
e você
assim como eu estou em você 
eu estou nele 
em nós 
e só quando estamos 
em nós 
estamos em paz
mesmo que estejamos 
a sós."

[Paulo Leminski]

terça-feira, 10 de outubro de 2017

Da palavra

"(...) Sim Senhor, tudo o que queira, mas são as palavras as que cantam, as que sobem e baixam.
Prosterno-me diante delas. 
Amo-as, uno-me a elas, persigo-as, mordo-as, derreto-as.
Amo tanto as palavras.
As inesperadas
As que avidamente a gente espera, espreita até que de repente caem.
Vocábulos amados
Brilham como pedras coloridas, saltam como peixes de prata, são espuma, fio, metal, orvalho...


Persigo algumas palavras.
São tão belas que quero colocá-las todas em meu poema
Tudo está na palavra.
Uma idéia inteira muda porque uma palavra mudou de lugar ou porque outra se sentou como uma rainha dentro de uma frase que não a esperava e que a obedeceu.


Agarro-as no vôo, quando vão zumbindo, e capturo-as, limpo-as, aparo-as, preparo-me diante do prato, sinto-as cristalinas, vibrantes, ebúrneas, vegetais, oleosas, como frutas, como algas, como ágatas, como azeitonas.

E então as revolvo, agito-as, bebo-as, sugo-as, trituro-as, adorno-as, liberto-as.
Deixo-as como estalactites em meu poema; como pedacinhos de madeira polida, como carvão, como restos de naufrágio, presentes da onda.


Têm sombra, transparência, peso, plumas, pêlos, têm tudo o que, se lhes foi agregando de tanto vagar pelo rio, de tanto transmigrar de pátria, de tanto ser raízes.

São antiqüíssimas e recentíssimas
Vivem no féretro escondido e na flor apenas desabrochada
Que bom idioma o meu, que boa língua herdamos dos conquistadores torvos
Estes andavam a passos largos pelas tremendas cordilheiras, pelas Américas encrespadas, buscando batatas, butifarras*, feijõezinhos, tabaco negro, ouro, milho, ovos fritos, com aquele apetite voraz que nunca mais se viu no mundo
Tragavam tudo: religiões, pirâmides, tribos, idolatrias iguais às que eles traziam em suas grandes bolsas
Por onde passavam a terra ficava arrasada
Mas caíam das botas dos bárbaros, das barbas, dos elmos, das ferraduras. 
Como pedrinhas, as palavras luminosas que permaneceram aqui resplandecentes... o idioma. 

Saímos ganhando

Levaram o ouro e nos deixaram o ouro.
Levaram tudo e nos deixaram tudo... 
Saímos perdendo

Deixaram-nos as palavras."


[Pablo Neruda - A palavra]

quarta-feira, 4 de outubro de 2017

"As histórias de amor sempre dão certo.
Algumas por dez anos, outras por dez meses.
Outras por dez dias, dez horas ou dez segundos.
As histórias de amor sempre dão certo."
Cecília Marazano

domingo, 1 de outubro de 2017

É isso

"Ultimamente, tenho esbarrado tanto no desinteresse e nas desculpas, que é difícil me envolver.
Eu não quero um amor meia boca.
Cansei de gente que só pensa no corpo, no sexo, no beijo, no físico.
Cansei de gente que não se envolve, não se entrega, não assume.

É difícil quando você acredita no amor e nas coisas bonitas e sinceras quando alguém, na verdade, não vê nada além de um rosto bonito.
Não vê a sua coragem, a sua força, não vê os seus medos bobos e nem se importa quando você não está bem.

Cansei de gente que vê uma boca bonita, um cabelo arrumado, mas não vê o meu companheirismo e o quanto sou disposta quando o assunto é ajudar alguém.
De gente que está do nosso lado fisicamente, mas, quando a tempestade vem, é o primeiro a soltar a nossa mão.

Eu cansei de quem não vê a minha fé bonita na vida e no amor e que não percebe o quanto dou valor às pessoas e não às coisas.
Eu quero alguém que repare na curva do meu sorriso e não nas curvas do meu corpo. 
Eu quero alguém que entenda as minhas vírgulas como pausa, como cautela, enquanto muitos entendem como ponto final e decidem partir porque acreditam que investir em alguém é perder tempo."

[Thamilly Rozendo]

sábado, 30 de setembro de 2017

Do recesso do amor

"Porque as distâncias eram grandes, escreviam-se cartas. Porque era preciso esperar as cartas, havia tempo. Porque havia tempo, falava-se de amor. Porque falava-se de amor, escreviam-se mais cartas.
E porque era preciso fazer as cartas chegarem mais rápido, construíam-se estradas. Estradas que nos levaram mais rápido ao futuro: encurtaram-se as distâncias.
 E porque encurtaram-se as distâncias, aumentou o trabalho. E porque o trabalho aumentou, escasseou o tempo. E pela escassez de tempo, cessaram as cartas. E pela falta das cartas, recesso para o amor.
Porque o amor entrou em recesso, o avanço. E porque veio o avanço, criou-se a tal rede. E porque a rede se criou, encurtaram-se as distâncias. Até mesmo entre os amores. Até mesmo entre os tempos.
E no mundo contido dentro da rede, nasceram de novo as cartas. Agora instantâneas. Que, como aviõezinhos de papel, eram lançadas incessantemente de uma ponta a outra do mapa. Palavras, dores, saudades e sons percorriam num susto longas distâncias, para chegar aos ouvidos da outra ponta do mapa.
O mundo virou teia de cartas. Um emaranhado de dores e amores e gentes se vendo e ouvindo e dizendo em todas as línguas. Um mundo abraçando o mundo carente de cartas, caminhos, estradas e de andar a pé pra relembrar.
Virtuais, as cartas tornaram amores reais.
E a cada nova carta, um mundo de amor. A teia. E a cada novo mundo, mais cartas. E já não era possível desfazer os nós. E as pessoas deram-se as mãos, como antes não acontecia. E eram semelhantes as mãos que se davam, sem que a distância fosse empecilho. E era de mãos também a grande teia.
Mas, como o virtual brilhasse, o real perdeu sua força. Não mais se olharam as pessoas. O amor em recesso mais uma vez.
E como o recesso faz buracos, mais gente da ponta do mapa procurou gente da outra ponta. E do meio. E de um pedacinho ao sul ou ao norte. E as latitudes as mais diversas passaram a se olhar, como não mais os olhos se olhavam. E como as palavras de longe chegavam ao pé do ouvido, falou-se de perto. E porque de longe acendiam-se almas, encurtaram-se as distâncias.
Mas, um dia, de tanto viajarem as cartas, encurtando distâncias e mais distâncias, alguém olhou para o lado e descobriu a verdade.
O longe estava perto. O perto estava longe.
E assim a escassez de tempo nos aproximou da gente. A escassez do tempo nos disse verdades com sua voz rouca. E nos perguntamos se tudo isso fazia sentido. E choramos. E escrevemos novas cartas. E nos demos as mãos de verdade. E nos olhamos no olho. E redescobrimos o tempo.
E amamos. Não mais a escassez. Não mais o virtual. Não mais o longe.
E permanecem as cartas que vão e voltam. Mas o amor não entra mais em recesso."

[cris guerra]

sexta-feira, 29 de setembro de 2017

Do salto



"Então não há nada mais sensato a fazer do que soltarmos as mãos dos trapézios, perdermos a frágil segurança de nossas solidões e nos enlaçarmos em pleno ar. Talvez nos esborrachemos. Talvez saiamos voando. Não temos como saber se vai dar certo - o verdadeiro encontro só se dá ao tirarmos os pés do chão, mas a vida não tem nenhum sentido se não for para dar o salto."


[Antônio Prata]

quarta-feira, 6 de setembro de 2017

Tem dias que eu fico pensando na vida, e sinceramente não vejo saída....

"o adeus não vai deixar de doer, mesmo quando você entender que fins acontecem, que as pessoas nem sempre ficam e que a não reciprocidade não é a única infelicidade em uma paixão.
já li inúmeros textos sobre relacionamentos e conversei com vários amigos sobre suas relações. senti cada relato e aprendi com cada um deles sobre términos e recomeços, mas novamente eu falo: isso não me isenta de sentir a dor.
por mais que eu saiba que a paixão é cíclica, que se apaixonar é como pular de uma ponte e que recomeços nem sempre precisam de fins, eu ainda não sei lidar com a perda.
com a ausência.com a expectativa frustrada.com a entrega desenfreada colidindo sempre com a dor.e dói.o caos se instala.acabo perdendo o ritmo das coisas.prefiro ficar só.eu paro.

escrevo como quem busca no sentir a sua salvação. 

com as mãos trêmulas, eu busco ritmo nessa imensa confusão que se faz presente. eu só vou colocando tudo para fora dessa maneira desenfreada, descompassada, sem ritmo, sem sentido, mesmo sabendo que a única coisa que eu faço nesse momento é sentir demais.
eu me entrego demais.
e quando tudo acaba, eu ardo.
eu sofro.
eu choro.
e eu sinto.
em algum momento, eu acreditei que amadurecer emocionalmente era sinônimo de não sofrer mais, onde na verdade é saber o que fazer com a dor.
então agora, eu a sinto.
mas amanhã eu espero que ela vá.
assim como você se foi."

terça-feira, 5 de setembro de 2017

Do fio

"Você é um amor que não aconteceu, e desses, eu tenho um monte. Poucos são os que acontecem, mas é impressionante como são esses, os que ficam por um fio de acontecer, que nos desequilibram. A gente fica com aquela sensação que seria perfeito, aquele gosto de não ter acordado juntos o suficiente e que faltaram viagens e histórias a serem vividas. E eu me apego a essas histórias que só tem começo e fim, deixando o meio ser fantasiado, imaginando que seria ótimo, aquilo que nós não permitimos ser coisa alguma."

[Bruno Fontes]